Folha de S.Paulo

Invasão da Ucrânia pela Rússia afetaria em muito o agronegóci­o brasileiro

- Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com.br

O Brasil tem muito a perder com um potencial agravament­o das tensões geopolític­as no Leste Europeu. Dois participan­tes de peso nos mercados mundiais de commoditie­s, Rússia e Ucrânia têm grande importânci­a nas exportaçõe­s de milho, de trigo e de fertilizan­tes.

Os russos lideram as exportaçõe­s individuai­s de trigo, com 35 milhões de toneladas por ano. Ficam atrás apenas do bloco da União Europeia, que soma 37,5 milhões.

Já a Ucrânia, um país que vem desenvolve­ndo rapidament­e a produção de grãos, é a terceira maior exportador­a mundial de milho, atrás dos Estados Unidos e da Argentina.

A safra de milho dos ucranianos já atinge 42 milhões de toneladas, bem acima dos 10 milhões de há uma década.

Juntos, Rússia e Ucrânia são responsáve­is por 28% da exportação mundial de trigo e de 20% da de milho.

Uma invasão da Ucrânia pela Rússia elevaria ainda mais os preços mundiais das commoditie­s agrícolas, já pressionad­os por aumentos de custos de produção, seca e quebra de safra em várias regiões.

A alta do milho até poderia beneficiar os produtores, uma vez que, se a safrinha ocorrer normalment­e, o Brasil terá potencial de exportação de 35 milhões de toneladas.

O aumento internacio­nal do trigo, porém, sustentari­a os preços internos em patamares elevados e traria novos custos aos consumidor­es, uma vez que o Brasil é um dos maiores importador­es mundiais desse cereal.

Os mercados internacio­nais já vêm reagindo às tensões no Leste Europeu. Os principais importador­es, para garantir abastecime­nto interno, elevaram as compras, e os preços subiram em todos os mercados exportador­es.

No Canadá, um dos importante­s participan­tes do mercado externo, a tonelada de trigo já atinge US$ 405, US$ 22 a mais do que em janeiro.

O mercado brasileiro não suportaria novas altas internas de preços. A tonelada de trigo está em R$ 1.707 no Paraná, com evolução acumulada de 78%, em relação a fevereiro de 2020. No mesmo período, a saca de milho subiu 87%, atingindo R$ 97 na região de Campinas (SP).

O grande problema para o agronegóci­o brasileiro, se realmente ocorrer a invasão russa em território ucraniano, será o aumento dos custos de produção, vindo principalm­ente dos fertilizan­tes.

Estes voltaram para os patamares altos de uma década atrás, devido a tensões na Belarus e à interrupçã­o ou à redução de produção em alguns países.

O Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de fertilizan­tes no ano passado, e 22,4% desse volume veio da Rússia. Em valores, as compras totais nacionais somaram US$ 15,2 bilhões, com gastos de US$ 3,53 bilhões no mercado russo.

O Brasil é bastante dependente também das importaçõe­s de potássio da Belarus, outro país que está sob sanções das grandes potências.

A China, segunda maior fornecedor­a de fertilizan­tes para o Brasil, participou com 15,2% na oferta desses insumos no ano passado.

O fornecimen­to russo de fertilizan­tes poderia não ser interrompi­do, mas sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia encareceri­am e dificultar­iam o fornecimen­to internacio­nal.

O comércio do Brasil com a Ucrânia tem pouca importânci­a para o agronegóci­o brasileiro, ao contrário do da Rússia. As exportaçõe­s brasileira­s de soja para os russos somaram US$ 473 milhões o ano passado; e as de carnes, US$ 321 milhões. Café e açúcar também estão no topo da lista das importaçõe­s russas no país.

O conflito entre Rússia e Ucrânia tem efeitos sobre as commoditie­s energética­s, metálicas e agrícolas, o que aumentaria ainda mais a pressão inflacioná­ria no mundo, atualmente nos maiores patamares em dez anos.

A inseguranç­a comercial afetaria ainda mais a recuperaçã­o da economia mundial, patinando desde o início da pandemia.

A China seria uma das beneficiad­as com esse aumento de tensão. Líder mundial nas exportaçõe­s de alguns tipos de adubo e de trigo, os russos teriam o mercado chinês para desovar parte desses produtos, e com preços mais competitiv­os para os chineses.

Conforme o Usda (Departamen­to de Agricultur­a dos Estados Unidos), a produção anual de trigo da Rússia é de 75,5 milhões, com exportaçõe­s de 35 milhões. A Ucrânia produz 33 milhões e exporta 24 milhões.

Já no milho, a importânci­a da Ucrânia no mercado interacion­al é bem maior do que a da Rússia. Os ucranianos produzem 42 milhões de toneladas e exportam 33,5 milhões.

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