Folha de S.Paulo

Lugar de fala, lógica e objetivida­de

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Hélio Schwartsma­n

Não entendi bem se Ricardo Teperman quer a minha demissão ou um debate sobre lugar de fala. Se é a primeira hipótese que vale, então ele deveria tê-la explicitad­o com todas as letras em seu artigo de 15/2 (“O lugar de fala do articulist­a”, Opinião). No gênero jornalísti­co, textos claros são sempre preferívei­s aos cifrados. Se o que ele quer é discutir lugar de fala, faço-o com prazer.

Obviamente não li tudo o que foi escrito sobre lugar de fala, mas li o suficiente (a favor e contra) para não tomar o conceito como axiomático. Ele funciona bem quando tratamos de experiênci­as subjetivas, mas afirmar isso não é mais que um truísmo. Roubando o raciocínio do amigo Marcel Davi de Melo, se for para falar sobre a sensação de ser o único negro numa escola de brancos, é evidente que são as crianças negras nessa situação que temos de ouvir. Mas, quando passamos para o plano mais objetivo da discussão abstrata, os argumentos deveriam valer (ou não) independen­temente de quem sejam seus autores. Insistir no contrário é agarrar-se a uma versão do “argumentum ad hominem”, que a lógica classifica como falácia informal.

Sei que o pessoal da teoria crítica vai além e contesta a própria ideia de objetivida­de. Acompanho parte das críticas pós-modernista­s a essa noção. Mas, por mais ressalvas teóricas que façamos à objetivida­de, ela é, na prática, útil. Num exemplo caseiro, o jornalismo que tenta persegui-la, mesmo sabendo-a inatingíve­l, é melhor que aquele que já parte do princípio que ela é impossível e abraça a militância.

Algo parecido vale para a ciência. Ninguém ainda produziu um conceito filosofica­mente consistent­e de objetivida­de científica. Paul Feyerabend, do qual falei outro dia, viu isso e tirou conclusões radicais. Para ele, não há diferença entre astrologia e astronomia, ou entre cloroquina e vacina. Se você rejeita esse vale-tudo, então não deveria rifar a noção de objetivida­de, por mais imperfeita que seja. helio@uol.com.br

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