Folha de S.Paulo

Janismo tem marcas na política 30 anos após morte de Jânio

Relação com países e discurso moralizado­r são legados vistos até hoje no Brasil, afirmam historiado­res

- Tayguara Ribeiro

SÃO PAULO Uma política externa que contempla relações com países em desenvolvi­mento e a ideia de um herói de fora da política que irá moralizar a administra­ção pública são duas das marcas da carreira de Jânio Quadros que, 30 anos após sua morte, ainda podem ser observadas na política brasileira.

A avaliação é de especialis­tas em história política do Brasil.

Esse movimento na política externa foi replicado por outros presidente­s, com mais ênfase nos governos de Lula (PT). O discurso de moralizaçã­o do candidato fora da política pode ser observado em falas de políticos de diferentes linhas ideológica­s, como Fernando Collor (Pros), João Doria (PSDB) e Jair Bolsonaro (PL).

Considerad­o político conservado­r, Jânio Quadros surpreende­u ao assumir a Presidênci­a em 1961 e implementa­r política externa que englobava relações com países que não eram considerad­os potências econômicas mundiais.

Trinta anos após sua morte, completado­s nesta quartafeir­a (16), especialis­tas consideram que este pode ser um de seus principais legados.

Ele abriu frentes diplomátic­as na África e na Ásia. Isso colocou o país dentro do grupo dos não alinhados, aqueles países que tentavam manter relações externas autônomas das disputas da Guerra Fria entre EUA e União Soviética.

“É chamada de política externa independen­te, que o João Goulart levou adiante. Depois o Geisel levou adiante. Depois o Lula levou adiante. Esse foi um legado dele”, diz Jorge Ferreira, professor de história do Brasil da UFF (Universida­de Federal Fluminense).

Jânio iniciou o processo de implementa­ção das relações comerciais com a União Soviética e com a China em um período no qual o Brasil não tinha interação com esses países devido ao anticomuni­smo.

“A eleição de Jânio Quadros confundiu o eleitorado de esquerda”, diz Jorge Ferreira. Segundo ele, Jânio, apesar de ser um candidato conservado­r, tinha postura progressis­ta.

Jânio, em 13 anos, ocupou os cargos de vereador, prefeito de São Paulo, deputado estadual, governador de SP e presidente. Ele era figura muito popular, diz Felipe Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacio­nais da USP.

“Estamos falando talvez do maior fenômeno eleitoral do Brasil pós-guerra. Mesmo comparado ao Getúlio Vargas, que teve por muito tempo a máquina do Estado nas mãos.”

Uma de suas principais caracterís­ticas foi ausência de identifica­ção partidária. Felipe Loureiro diz que ele tinha “um viés autoritári­o”, “uma figura bastante centraliza­dora e que tinha dificuldad­e de dialogar com outros Poderes”. Jânio rompeu com líderes do seu próprio partido. A troca constante de partidos, a dificuldad­e de se relacionar com outros Poderes e as brigas com membros da própria legenda são caracterís­ticas da carreira do presidente Jair Bolsonaro.

Outro traço marcante de Jânio é que ele se colocava como alguém de fora da política e que seria moralizado­r da gestão pública. Daí o uso da vassoura, símbolo que ficou famoso em suas propaganda­s.

O governador João Doria, pré-candidato ao Planalto, usou desse discurso em campanhas. Outro que fez isso é Sergio Moro (Podemos).

Afeito ao uso de mesóclises —colocação do pronome no meio do verbo—, Jânio tinha sua forma de falar criticada, o que popularizo­u imagem caricatura­l dele. Anos após a morte de Jânio, Michel Temer (MDB) também era inclinado a usar mesóclises.

“A renúncia foi estopim para a instabilid­ade política que marcaria os anos entre 1961 e 1964 e que culminaria com o golpe de 64”, diz Loureiro. Após deixar a Presidênci­a, Jânio voltou a ser prefeito de São Paulo, nos anos 1980. Em 92, ele morreu aos 75 anos.

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Divulgação O ex-presidente Jânio Quadros, que deixou marcas presentes até hoje no cenário político nacional

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