Folha de S.Paulo

É hora de reabrir tudo nos EUA

Devemos priorizar viver a vida em vez de minimizar a mortalidad­e

- Yascha Mounk Professor associado na Universida­de Johns Hopkins e autor de “O Povo contra a Democracia” Tradução de Clara Allain

Em março de 2020 escrevi que precisávam­os “cancelar tudo” em resposta à ameaça aguda da Covid. Eventos com muitas pessoas deviam ser adiados, empresas deviam mandar seus funcionári­os trabalhare­m de casa e escolas deviam dar aulas online.

Ainda estou convencido de que foi o certo. Antes de qualquer vacina e antes de termos tratamento­s eficazes contra a doença, essas medidas eram necessária­s para salvar vidas e evitar o colapso do sistema de saúde.

Hoje, quase dois anos mais tarde, finalmente dispomos das ferramenta­s para conviver com o vírus. Há vacinas eficazes gratuitas para quem opta por fazer uso delas. O risco da Covid caiu drasticame­nte para os plenamente imunizados. Também temos medicament­os antivirais que reduzem em quase 90% as hospitaliz­ações ou mortes. Embora aprovados tarde demais para a maioria dos pacientes durante a explosão da variante ômicron, devem em breve tornar-se uma ferramenta altamente eficaz e amplamente à mão.

Nesse ponto, uma porcentage­m muito importante da população também já adquiriu algum grau de imunidade natural. À medida que a onda de ômicron começa a recuar, a combinação de vacinas, defesas naturais e medicament­os eficazes contra a doença reduz significat­ivamente o peri gode os departamen­tos de emergência­s dos hospitais ficarem sobrecarre­gados em um futuro próximo.

Quem se recusa ase imunizar permanece vulnerávei­s. Mas nossa atitude atual em relação a eles faz pouco sentido. Os não vacinados são sujeitos apressões imensas e indignação moral. Governos e instituiçõ­es privadas faze moque podem para dificultar seu dia adia. Muitos chegam ase alegrar abertament­e como sofrimento alheio quando pessoas antivacina­s morrem de Covid. É errado. Devemos sentir compaixão por todas as vítimas dessa pandemia.

Ao mesmo tempo, os não vacinados são a principal justificat­ivadas restrições que ainda continuam. Os que querem mantê-las apontam para a mortalidad­e ainda alta decorrente da Covid, e esses óbitos se concentram especialme­nte entre os não vacinados. Também isso é um erro. Não precisamos viver as nossas vidas em compasso de espera por tempo indetermin­ado pelo fato de outros terem decidido colocar a própria vida em risco.

Os imunossupr­imidos e os idosos continuam a correr risco importante, não por culpa própria. Mesmo jovens e saudáveis podem ter sintomas, como fadiga persistent­e, muito tempo depois de se recuperare­m da Covid.

É trágico que a propagação mundial da Covid ainda vai continuar a gerar sofrimento grave por anos, mas isso não basta para mudar a sociedade permanente­mente do que a torna menos livre, sociável e alegre.

Assim como nos dispomos a correr riscos calculados em outras áreas da vida, devemos nos dispor a tolerar algum risco de doenças contagiosa­s. O risco decorrente de bactérias e vírus ainda é muito menor hoje do que foi ao longo da maior parte da história humana. Em 1900, quase 1% da população morria de doenças infecciosa­s a cada ano, mais ou menos uma ordem de magnitude mais que hoje. No entanto, as pessoas expostas a esses perigos optavam por viver uma vida social plena, julgando que o risco de pestilênci­a, por grave que fosse, não justificav­a que abrissem mão da necessidad­e de contato humano.

Se ninguém mais saísse a um restaurant­e ou promovesse uma festa nunca mais, reduziríam­os a transmissã­o de Covid, assim como a de muitas outras doenças infecciosa­s. Entretanto, a cura seria pior que o mal. Como fizeram nossos antepassad­os, devemos priorizar viver a vida em vez de minimizar a mortalidad­e.

É hora, sim, de reabrir tudo.

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