Folha de S.Paulo

Montadoras miram 2023 com investimen­tos de R$ 20,9 bi

- Eduardo Sodré

SÃO PAULO As montadoras instaladas no Brasil já estão em 2023. Investimen­tos anunciados nos últimos três meses somam R$ 20,9 bilhões e mostram que a indústria enxerga a retomada para além de um início de ano turbulento.

O aporte de maior vulto foi anunciado em janeiro pela chinesa Great Wall (R$ 10 bilhões), que vai produzir carros híbridos e elétricos em Iracemápol­is (interior de São Paulo), na fábrica que pertenceu à Mercedes-Benz.

Causa espanto ouvir o setor automotivo falar de cifras altas em um ano de eleições majoritári­as, quando empresas costumam pisar no freio diante do cenário de incerteza, mas essa indústria tem seus próprios ciclos e interesses.

“A Great Wall está fazendo um investimen­to de longo prazo e adquiriu uma fábrica já instalada. Vieram aqui e compraram em uma época de baixa, com o real bastante desvaloriz­ado”, afirma Cassio Pagliarini, sócio da consultori­a Bright.

“Os chineses estão olhando para o futuro, e compensa fazer esse investimen­to. Se querem crescer globalment­e, precisam do volume do Brasil, que não vai ficar sempre nesses 2 milhões [de unidades vendidas].”

O especialis­ta acredita que o mercado interno vá voltar ao patamar de 3 milhões de unidades até 2030, e quem investe agora tem essa visão de longo prazo.

Mas, se o retrato de momento fosse parâmetro para definir investimen­tos, talvez faltasse coragem às empresas. Segundo a Anfavea (associação das montadoras), a produção de veículos leves e pesados em janeiro teve queda de 27,4% em relação ao mesvestime­nto mo mês de 2021. O resultado foi influencia­do pelos efeitos da variante ômicron nas linhas de montagem e por férias coletivas.

A entidade acredita que o PIB (Produto Interno Bruto) terá um cresciment­o de 0,5% em 2022 e projeta um cresciment­o de 9,4% na fabricação, com 2,46 milhões de unidades saindo das linhas de montagem. Como as montadoras dividem o mundo em macrorregi­ões, a visão de retomada não se limita ao Brasil.

Reiner Braun, presidente do grupo BMW na América Latina, vê um cresciment­o de 2,5% do PIB na América Latina. A marca vive um bom momento global, tendo registrado um cresciment­o de 98,4% nas vendas entre 2020 e 2021.

Em novembro, a montadora alemã anunciou um novo inna fábrica de Araquari (SC). Serão aplicados R$ 500 milhões entre 2022 e 2024 para a produção dos utilitário­s X3 e X4, além de um modelo que ainda será revelado na Alemanha. A marca já investiu R$ 1,8 bilhão na produção local desde 2014.

Pagliarini explica que, no caso da BMW, aumentar o investimen­to na montagem local deve ter sido uma decisão tomada após considerar os impactos da redução de tributos mediante a maior nacionaliz­ação de suas operações. Esse é um dos pontos de incentivo previstos no programa Rota 2030.

A concorrent­e Audi também se movimenta. Após permanecer parada ao longo de 2021, a montadora alemã vai reiniciar a produção de veículos em São José dos Pinhais (PR).

A retomada está prevista para o início do segundo semestre de 2022, com a montagem dos modelos Q3 e Q3 Sportback. Os valores investidos ainda não foram revelados, mas a empresa divulgou que vai gastar R$ 20 milhões na instalação de pontos de recarga para carros elétricos em suas concession­árias.

Mas o exemplo da Audi mostra o quanto é complexo apostar na indústria nacional. A reabertura da fábrica estava vinculada ao recebiment­o de uma dívida gerada durante o programa Inovar-Auto, que vigorou de 2012 a 2017.

O valor deveria ser pago pelo governo como estorno de tributos. Dos cerca de R$ 300 milhões retidos desde o governo Dilma, entre 70% e 80% eram devidos à Audi.

Em dezembro, durante o anúncio da retomada, o então presidente da Audi no Brasil, Johannes Roscheck, disse que não foi fácil convencer a matriz. O pagamento da dívida segue em negociação.

Apesar dos senões do país, o potencial do mercado e a expectativ­a de cresciment­o forçam as marcas a pensar no futuro.

“Investimen­tos de montadoras nunca são de curto prazo, sempre são analisados cenários de longo prazo, bem como retornos nesse mesmo tempo”, diz Milad Kalume, gerente de desenvolvi­mento de negócios da Jato Dynamics Brasil.

“O dólar em alta facilita os investimen­tos aqui, pois o país se torna ‘barato’. Outros anúncios certamente virão, e em breve.”

No segmento de veículos pesados, os investimen­tos são facilmente explicávei­s. O setor vive um bom momento devido aos resultados do agronegóci­o e da mineração, além da demanda por serviços de entrega.

Volvo, Iveco e DAF fizeram anúncios recentes, que somam aproximada­mente R$ 3 bilhões em aportes.

As fabricante­s também se movimentam para atender à próxima etapa do Proconve (Programa de Controle de Emissões Veiculares) para veículos pesados, que entra em vigor no próximo ano.

Outro ponto que vai estimular investimen­tos é o programa Finame Baixo Carbono, do BNDES.

A linha de crédito facilita a compra de veículos e maquinário movidos a eletricida­de, a pilha de hidrogênio ou a biocombust­ível, como gás natural e etanol. Ao gerar o aumento da demanda por esses produtos, as montadoras terão de encontrar caminhos para nacionaliz­ar carros menos poluentes.

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Divulgação Linha de montagem da Volvo Caminhões, em Curitiba

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