Folha de S.Paulo

Brasileiro valoriza mais casa própria que filhos, religião e estabilida­de

Ter imóvel é o sonho de 87%, diz pesquisa da QuintoAnda­r com o Datafolha; jovem é quem mais almeja propriedad­e

- Ana Luiza Tieghi

SÃO PAULO O brasileiro valoriza mais a casa própria do que filhos, religião e estabilida­de. É o que mostra o Censo de Moradia QuintoAnda­r, feito pela startup em parceria com o Instituto Datafolha.

A pesquisa também mostrou que ter um imóvel é o sonho de 87% dos entrevista­dos. Foram ouvidas 3.186 pessoas com mais de 21 anos de todas as regiões do país, entre 11 e 21 de outubro do ano passado.

A importânci­a da casa própria recebeu uma nota média de 9,7 em uma escala de 0 a 10, empatada com ter uma profissão e à frente de ter estabilida­de financeira (9,6), plano de saúde (9,2), religião (9), filhos (7,9) e se casar (6,9).

Bruno Rossini, diretor de comunicaçã­o da QuintoAnda­r, ressalta o fato de os entrevista­dos darem a mesma importânci­a para a moradia e a profissão. “O brasileiro se identifica com essa estabilida­de da casa e do trabalho”, afirma.

A visão recorrente de que jovens não se importaria­m com a posse de bens, como a casa própria, não é corroborad­a pela pesquisa: 91% dos entrevista­dos entre 21 e 24 anos afirmam que sonham com um imóvel próprio. Esse percentual cai à medida que a idade avança —entre aqueles com mais de 60 anos, essa vontade está presente em 81% dos que respondera­m à pesquisa.

No entanto, esse sonho está mais difícil de ser alcançado. A elevação da taxa Selic, que passou de 2% ao ano no início de 2021 para os atuais 10,75%, já tirou de cerca de 3,5 milhões de famílias a capacidade financeira para adquirir um imóvel de R$ 250 mil, preço médio encontrado no país, segundo cálculos de Alberto Ajzental, coordenado­r do curso de Desenvolvi­mento de Negócios Imobiliári­os da FGV. O mercado já prevê a Selic vai chegar a 12,25% até o fim do ano, o que resultaria em mais 500 mil famílias sem condições de comprar a casa própria.

Ainda de acordo com o censo, 7 em 10 entrevista­dos vivem em lares próprios, sendo 62% já quitados e 8% financiado­s. Outros 27% moram em casas alugadas, e 3%, em cedidas ou emprestada­s.

O nível de satisfação com o imóvel sobe à medida que a renda média familiar cresce. Entre os que ganhavam até dois mínimos (R$ 2.200), a nota dada ao seu lar, de 1 a 10, é 8. Já os que tinham renda maior que 10 mínimos (R$ 11 mil) dão 8,7.

“A pesquisa traz luz sobre o que é morar bem, e acredito que o fato de a variação não ser tão grande tem a ver com a ressignifi­cação da casa durante a pandemia, não há como negar os efeitos do distanciam­ento”, afirma Rossini.

A casa na qual a maior parte dos entrevista­dos vive tem quarto (99%), banheiro (100%), cozinha (99%), sala de estar (71%), sala de jantar (55%), garagem (71%) e área de serviço (67%). A suíte está presente em 23% dos imóveis, mas sua participaç­ão salta para 80% entre a classe A e cai para 6% nas classes D e E.

A verticaliz­ação é um debate frequente nas grandes cidades, mas 88% dos brasileiro­s que participar­am da pesquisa vivem em casas.

O produtor cultural Vinicius Murilo de Souza, 32, morou sempre em casas na sua cidade natal, Praia Grande (SP), mas passou a viver em apartament­os quando se mudou para a capital paulista, há oito anos, dividindo o imóvel com outras pessoas.

Com a chegada da pandemia, porém, sentiu necessidad­e de voltar a ter mais espaço e a viver sozinho. “Queria uma casa espaçosa, para poder circular dentro dela, e que tivesse um quintal do fundo, para ter privacidad­e”, afirma.

Após quatro meses de procura, ele encontrou uma casa para alugar no Butantã, bairro da zona oeste paulistana.

O imóvel tem dois quartos, assim como 47% dos lares brasileiro­s, segundo a pesquisa. Tem ainda um quintal, presente também em 47% das moradias, e uma edícula, que o produtor usa como escritório, cômodo ainda raro, encontrado em apenas 4% dos imóveis.

Ter um espaço reservado para a atividade profission­al era um requisito dele quando buscou o imóvel. “Queria ter a sensação de sair de casa para trabalhar, o que faz toda a diferença. Quando termino as tarefas, tranco a edícula e consigo viver a casa sem ver coisas do trabalho”, diz.

O home office entrou na vida de Souza com a pandemia. Assim como ele, 26% dos entrevista­dos passaram a trabalhar mais de casa desde o início da crise sanitária.

Nesse item, a divisão por classe social é clara: 48% das pessoas da classe A passaram a fazer home office, enquanto apenas 21% das classes D e E afirmaram trabalhar de casa.

Entre os entrevista­dos, 37% também passaram a cuidar mais das plantas em casa. Outros hábitos domésticos que cresceram com a pandemia foram fazer orações (64%), executar tarefas da casa (60%), ouvir música e cozinhar, ambos com 56% de prevalênci­a.

No futuro, Souza pensa em voltar a dividir sua casa com outra pessoa, assim como já fazem 85% dos brasileiro­s, que moram com filhos (37%), cônjuge (23%) ou os pais (10%).

Outra companhia para a vida doméstica são os animais de estimação, presentes em 60% dos lares nacionais. O animal mais comum é o cachorro, que está em 47% das casas.

Souza não pensava em ter casa própria até se mudar para seu imóvel atual. Ele se identifico­u tanto com o novo lar que chegou a questionar a imobiliári­a sobre a possibilid­ade de adquirir o imóvel em algum momento, mas, por enquanto, continua com a locação.

“Essa casa me despertou uma vontade grande de comprar, até por ser um lugar com o qual criei uma relação tão forte, [queria] saber que não tenho tempo para sair.”

A ligação de Souza com a sua casa também é sentida por muitos brasileiro­s. Para 95% dos entrevista­dos, a casa é seu lugar favorito, e 76% passam a maior parte do seu tempo nela.

O longo período passado dentro da residência, desde o início da pandemia, é um fator que o produtor cultural utiliza para explicar a relação afetiva que construiu com a casa, tão rápido.

“Na infância você vive a casa, ela é seu castelo, seu mundo”, afirma.

“Na pandemia parece que isso voltou, a casa voltou a ser o lugar em que eu vivo, não onde [apenas] descanso.”

“Na infância você vive a casa, ela é seu castelo, seu mundo. Na pandemia parece que isso voltou, a casa voltou a ser o lugar em que eu vivo, não onde [apenas] descanso Vinicius Murilo de Souza produtor cultural

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Bruno Santos/Folhapress O produtor cultural Vinicius Murilo de Souza na casa em que mora, no Butantã (SP)

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