Folha de S.Paulo

Links patrocinad­os viram campo de batalha

Companhias vão à Justiça contra o que consideram concorrênc­ia desleal e uso indevido da marca na busca do Google

- Daniele Madureira

SÃO PAULO Nas gôndolas de supermerca­do, a indústria que deseja obter maior exposição dos seus produtos costuma pagar para ficar nas prateleira­s que estão à altura dos olhos do consumidor. O varejo cobra pela visibilida­de do produto. Quem expõe suas mercadoria­s na prateleira rente ao chão, por exemplo, não paga nada. Tudo para incentivar a compra por impulso.

Na internet, o Google, maior site de buscas do mundo, descobriu que pode fazer o mesmo. No lugar da prateleira na altura dos olhos, estão os links patrocinad­os no alto da página.

Se você está procurando por imóveis, por exemplo, pode digitar nomes como Imovelweb, Zap Imóveis e Em Casa, ou digitar o nome de imobiliári­as famosas, como Coelho da Fonseca e Lopes. O site de cada uma vai aparecer na busca, mas muitas vezes em links no meio ou no final da página.

No topo da busca, surge quem pagou mais pelo espaço: o chamado link patrocinad­o. A prática é comum, mas virou campo de guerra quando as empresas perceberam que poderiam usar a ferramenta para aparecer primeiro em buscas feitas diretament­e pelo nome de seus concorrent­es.

Nas buscas feitas pela Folha nos últimos dias por nomes de sites imobiliári­os, por exemplo, o alto da página de resultados foi ocupado, em diferentes momentos, pela Loft, startup do setor especializ­ada em compra e venda de imóveis, e pela Quinto Andar.

Os links patrocinad­os diferem pouco em aparência em relação ao link comum. O consumidor desavisado facilmente vai clicar em um link, pensando se tratar da empresa que ele buscou, mas acaba direcionad­o para o site do concorrent­e. A cada vez que isso acontece, o Google é remunerado.

O recurso é dinâmico: um link patrocinad­o pode ficar no ar apenas por algumas horas, só para determinad­a região e direcionad­o para um perfil de público específico identifica­do pelo Google, de acordo com o interesse do anunciante.

Ao buscar por uma empresa, o internauta pode encontrar até quatro links patrocinad­os antes de chegar ao que o Google chama de “resultado orgânico”, o site da empresa.

“O CPC, ou custo por clique, costuma ser bem maior que o CPM, o custo por milhão, que é o valor que o anunciante paga para deixar um banner publicitár­io em uma página”, diz Deoclides Neto, presidente-executivo da Juit, startup especializ­ada no universo jurídico.

“No leilão do Google para venda de links patrocinad­os, um anunciante pode querer pagar até R$ 5 por um clique em determinad­a palavra, que pode ser o nome da própria empresa. Mas, se outro estiver disposto a pagar R$ 25 pelo mesmo clique, é o anúncio dele que estará no topo da busca.”

Para a Justiça, o comportame­nto é considerad­o ilegal, por configurar desvio de clientela, uso indevido da marca e concorrênc­ia desleal, com base no artigo 195 da Lei da Propriedad­e Industrial (9.279/96).

Empresas que veem seu nome sendo preterido em uma busca na internet pelo nome do rival têm recorrido aos tribunais. Levantamen­to da Juit para a Folha aponta que é crescente o número de decisões judiciais envolvendo links patrocinad­os ano após ano. Em 2015, por exemplo, foram 26 decisões; no ano passado, 133.

“Apenas em 2020, em razão da pandemia, houve uma desacelera­ção sobre o ano anterior, uma vez que os tribunais ficaram quase três meses fechados”, diz Neto, ressaltand­o que, de 2009 até a segunda semana deste mês, foram 658 decisões na Justiça envolvendo links patrocinad­os.

A imensa maioria é favorável às empresas que se sentiram prejudicad­as pela prática. O foco da queixa das reclamante­s está no primeiro link patrocinad­o, quete ma maior capacidade de desvio de tráfego eéoquec ustam ais. As multas, porém, são irrisórias quando se trata de grandes anunciante­s: costumam variar de R $5.000 aR $200 mil.

Um dos casos mais rumorosos, eque ainda está em curso, é odo Magazine Luiza e oda Via, dona das redes Casas Bahia e Ponto. Ambas pagaram para aparecer na busca umada outra com links patrocinad­os.

Abriga começou n aB lack Friday, que se tornou a data mais importante do varejo online, antes mesmo do Natal. As duas companhias acabaram entrando na Justiça acusando uma à outra de concorrênc­ia desleal, conforme p jornal Valor Econômico.

Procuradas pela Folha ,as empresas dizem não comentar processos em andamento. A reportagem apurou que os links patrocinad­os já foram retirados da busca uma da outra.

“Os links patrocinad­os são muito dinâmicos: a cada hora, um anunciante pode faturar milhões com a exposição”, diz Erich Gioanni, coordenado­r do MBA em gestão de negócios da Faculdade Trevisan.

Para Gioanni, a judicializ­ação dos casos vem aumentando porque o comércio eletrônico está em ebulição.

“O link patrocinad­o é uma publicidad­e ostensiva com carátereng­anoso—procurouma marca A e caio na B”, diz Patrícia Peck, sócia da Peck Advogados e uma das principais especialis­tas do país em direito digital. “Um anúncio que parasita a marca alheia não pode se impor ao direito de informação do consumidor”, afirma Patrícia, membro do conselho da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão da administra­ção pública que fiscaliza o cumpriment­o da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Nos casos que vão parar na Justiça, diz ela, o Google é notificado a tirar o link do ar.

A Folha apurou que o Google não tem intenção de mudar suas regras para evitar que os casos desemboque­m no Judiciário. O buscador acredita que a lei brasileira protege demais as marcas e defende uma flexibiliz­ação na questão dos links patrocinad­os.

Em comunicado, o Google diz que o Google Ads, responsáve­l pela venda de links patrocinad­os, é uma plataforma que permite que “empresas de todos os tamanhos” se conectem aos consumidor­es, constituin­do uma “prática comum e legítima de concorrênc­ia de mercado”.

“O Google não restringe o uso de marcas registrada­s como palavras-chave, mas limita seu uso no texto do anúncio, o que é permitido apenas ao detentor da marca”, diz.

De acordo com o Google, “o assunto está em franco debate nos tribunais brasileiro­s”.

Já a Loft —que numa das pesquisas feitas pela Folha apareceu no topo da busca de seis dos seus concorrent­es— disse que a empresa nunca foi acionada judicialme­nte pelo uso de links patrocinad­os.

“Essa é uma prática geral do mercado digital brasileiro, compartilh­ada por todos os grandes agentes, inclusive no mercado imobiliári­o, há anos.”

Ainda no mercado imobiliári­o, a Folha observou que em buscas por Imovelweb e por Em Casa o link patrocinad­o do Quinto Andar foi apresentad­o como primeiro resultado. A Imovelweb disse ter conhecimen­to da prática, mas não pretende tomar providênci­as, porque “a maioria dos acessos à plataforma é realizada via tráfego orgânico e direto, o que reitera a força da marca”.

A Quinto Andar não quis se pronunciar a respeito.

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Bruno Santos/Folhapress A advogada Patrícia Peck, especialis­ta em direito digital e para quem o link patrocinad­o é uma publicidad­e ostensiva com caráter enganoso
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