Links patrocinados viram campo de batalha
Companhias vão à Justiça contra o que consideram concorrência desleal e uso indevido da marca na busca do Google
SÃO PAULO Nas gôndolas de supermercado, a indústria que deseja obter maior exposição dos seus produtos costuma pagar para ficar nas prateleiras que estão à altura dos olhos do consumidor. O varejo cobra pela visibilidade do produto. Quem expõe suas mercadorias na prateleira rente ao chão, por exemplo, não paga nada. Tudo para incentivar a compra por impulso.
Na internet, o Google, maior site de buscas do mundo, descobriu que pode fazer o mesmo. No lugar da prateleira na altura dos olhos, estão os links patrocinados no alto da página.
Se você está procurando por imóveis, por exemplo, pode digitar nomes como Imovelweb, Zap Imóveis e Em Casa, ou digitar o nome de imobiliárias famosas, como Coelho da Fonseca e Lopes. O site de cada uma vai aparecer na busca, mas muitas vezes em links no meio ou no final da página.
No topo da busca, surge quem pagou mais pelo espaço: o chamado link patrocinado. A prática é comum, mas virou campo de guerra quando as empresas perceberam que poderiam usar a ferramenta para aparecer primeiro em buscas feitas diretamente pelo nome de seus concorrentes.
Nas buscas feitas pela Folha nos últimos dias por nomes de sites imobiliários, por exemplo, o alto da página de resultados foi ocupado, em diferentes momentos, pela Loft, startup do setor especializada em compra e venda de imóveis, e pela Quinto Andar.
Os links patrocinados diferem pouco em aparência em relação ao link comum. O consumidor desavisado facilmente vai clicar em um link, pensando se tratar da empresa que ele buscou, mas acaba direcionado para o site do concorrente. A cada vez que isso acontece, o Google é remunerado.
O recurso é dinâmico: um link patrocinado pode ficar no ar apenas por algumas horas, só para determinada região e direcionado para um perfil de público específico identificado pelo Google, de acordo com o interesse do anunciante.
Ao buscar por uma empresa, o internauta pode encontrar até quatro links patrocinados antes de chegar ao que o Google chama de “resultado orgânico”, o site da empresa.
“O CPC, ou custo por clique, costuma ser bem maior que o CPM, o custo por milhão, que é o valor que o anunciante paga para deixar um banner publicitário em uma página”, diz Deoclides Neto, presidente-executivo da Juit, startup especializada no universo jurídico.
“No leilão do Google para venda de links patrocinados, um anunciante pode querer pagar até R$ 5 por um clique em determinada palavra, que pode ser o nome da própria empresa. Mas, se outro estiver disposto a pagar R$ 25 pelo mesmo clique, é o anúncio dele que estará no topo da busca.”
Para a Justiça, o comportamento é considerado ilegal, por configurar desvio de clientela, uso indevido da marca e concorrência desleal, com base no artigo 195 da Lei da Propriedade Industrial (9.279/96).
Empresas que veem seu nome sendo preterido em uma busca na internet pelo nome do rival têm recorrido aos tribunais. Levantamento da Juit para a Folha aponta que é crescente o número de decisões judiciais envolvendo links patrocinados ano após ano. Em 2015, por exemplo, foram 26 decisões; no ano passado, 133.
“Apenas em 2020, em razão da pandemia, houve uma desaceleração sobre o ano anterior, uma vez que os tribunais ficaram quase três meses fechados”, diz Neto, ressaltando que, de 2009 até a segunda semana deste mês, foram 658 decisões na Justiça envolvendo links patrocinados.
A imensa maioria é favorável às empresas que se sentiram prejudicadas pela prática. O foco da queixa das reclamantes está no primeiro link patrocinado, quete ma maior capacidade de desvio de tráfego eéoquec ustam ais. As multas, porém, são irrisórias quando se trata de grandes anunciantes: costumam variar de R $5.000 aR $200 mil.
Um dos casos mais rumorosos, eque ainda está em curso, é odo Magazine Luiza e oda Via, dona das redes Casas Bahia e Ponto. Ambas pagaram para aparecer na busca umada outra com links patrocinados.
Abriga começou n aB lack Friday, que se tornou a data mais importante do varejo online, antes mesmo do Natal. As duas companhias acabaram entrando na Justiça acusando uma à outra de concorrência desleal, conforme p jornal Valor Econômico.
Procuradas pela Folha ,as empresas dizem não comentar processos em andamento. A reportagem apurou que os links patrocinados já foram retirados da busca uma da outra.
“Os links patrocinados são muito dinâmicos: a cada hora, um anunciante pode faturar milhões com a exposição”, diz Erich Gioanni, coordenador do MBA em gestão de negócios da Faculdade Trevisan.
Para Gioanni, a judicialização dos casos vem aumentando porque o comércio eletrônico está em ebulição.
“O link patrocinado é uma publicidade ostensiva com caráterenganoso—procurouma marca A e caio na B”, diz Patrícia Peck, sócia da Peck Advogados e uma das principais especialistas do país em direito digital. “Um anúncio que parasita a marca alheia não pode se impor ao direito de informação do consumidor”, afirma Patrícia, membro do conselho da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão da administração pública que fiscaliza o cumprimento da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Nos casos que vão parar na Justiça, diz ela, o Google é notificado a tirar o link do ar.
A Folha apurou que o Google não tem intenção de mudar suas regras para evitar que os casos desemboquem no Judiciário. O buscador acredita que a lei brasileira protege demais as marcas e defende uma flexibilização na questão dos links patrocinados.
Em comunicado, o Google diz que o Google Ads, responsável pela venda de links patrocinados, é uma plataforma que permite que “empresas de todos os tamanhos” se conectem aos consumidores, constituindo uma “prática comum e legítima de concorrência de mercado”.
“O Google não restringe o uso de marcas registradas como palavras-chave, mas limita seu uso no texto do anúncio, o que é permitido apenas ao detentor da marca”, diz.
De acordo com o Google, “o assunto está em franco debate nos tribunais brasileiros”.
Já a Loft —que numa das pesquisas feitas pela Folha apareceu no topo da busca de seis dos seus concorrentes— disse que a empresa nunca foi acionada judicialmente pelo uso de links patrocinados.
“Essa é uma prática geral do mercado digital brasileiro, compartilhada por todos os grandes agentes, inclusive no mercado imobiliário, há anos.”
Ainda no mercado imobiliário, a Folha observou que em buscas por Imovelweb e por Em Casa o link patrocinado do Quinto Andar foi apresentado como primeiro resultado. A Imovelweb disse ter conhecimento da prática, mas não pretende tomar providências, porque “a maioria dos acessos à plataforma é realizada via tráfego orgânico e direto, o que reitera a força da marca”.
A Quinto Andar não quis se pronunciar a respeito.