Folha de S.Paulo

Vacinação pode evitar 430 mortes de crianças até abril

Projeção considera cenário em que país aplicaria 1 milhão de doses por dia

- Ana Bottallo

SÃO PAULO A vacinação contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos no Brasil está em ritmo lento, com cerca de 250 mil doses aplicadas por dia. Caso essa vacinação fosse acelerada para o ideal —segundo especialis­tas, um milhão de doses por dia—, seriam evitadas, até abril, 5.400 hospitaliz­ações e 430 mortes por Covid-19 nessa faixa etária.

Essa projeção faz parte de um estudo inédito realizado pelo grupo de modelagem da dinâmica de transmissã­o do coronavíru­s no Brasil, que inclui pesquisado­res da UFRGS (Universida­de Federal do Rio Grande do Sul), da UFG (Universida­de Federal de Goiás), da USP (Universida­de de São Paulo), da Unesp (Universida­de Estadual Paulista), da UFABC (Universida­de Federal do ABC) e do Observatór­io Covid-19 BR.

Na população geral, a vacinação mais rápida também causaria benefício. De acordo com a projeção, teria o efeito de impedir cerca de 14 mil hospitaliz­ações e mais de 3.000 óbitos pela doença em todas as faixas etárias no mesmo período.

No estudo, os pesquisado­res fizeram uma modelagem matemática para estimar quantas mortes e hospitaliz­ações seriam evitáveis em três cenários distintos: um cenário sem vacinação infantil (hipotético), o cenário atual de ritmo lento, e o cenário ideal ou acelerado de aplicação de doses.

O cenário ideal considera outras campanhas de vacinação infantil do Programa Nacional de Imunizaçõe­s (PNI) que já atingiu a aplicação de 1 milhão de doses por dia.

Os impactos diretos e indiretos da imunização infantil foram considerad­os em um período de três meses após o início da vacinação, ou seja, de janeiro a abril.

No ritmo atual, a campanha de vacinação nas crianças tem o potencial de evitar 5.718 hospitaliz­ações e 1.092 óbitos, com intervalo de confiança de 95%.

Quando separados por faixas etárias, o ritmo atual de imunização infantil deve impedir 2.367 hospitaliz­ações e 182 mortes por Covid nas crianças de 5 a 11 anos.

No Brasil, desde o início da pandemia até o dia 7 de fevereiro foram registrada­s 6.877 hospitaliz­ações e 308 mortes por Covid em crianças.

No estudo, o modelo analisa a “chance de passagem” de uma categoria para as demais, segundo a classifica­ção: suscetívei­s (pessoas que ainda não receberam a vacina), expostos e transmissí­veis (pessoas na fase infecciosa da doença), assintomát­icos, sintomátic­os leve, hospitaliz­ados, recuperado­s e óbitos.

A chance de uma pessoa de uma categoria passar para outra é calculada consideran­do cada um dos cenários acima e parâmetros como tipo de vacina (Pfizer, AstraZenec­a e Coronavac) e esquema vacinal (uma dose, duas doses ou três doses).

O ritmo considerad­o ideal não é uma realidade distante, de um país de primeiro mundo, afirma Roberto Kraenkel, físico e pesquisado­r do Observatór­io Covid-19 BR.

“Se tivéssemos a vacinação no ritmo aceitável a quantidade de mortes por Covid que poderiam ser evitadas até abril é da mesma ordem de grandeza do total de crianças que morreram nessa faixa etária desde 2020, o que indica que deveria sim haver uma aceleração”, diz.

Além da proteção direta nos pequenos, acelerar o ritmo da vacinação infantil traz benefícios do ponto de vista de controle da situação epidemioló­gica em todas as faixas etárias.

“A sociedade não é separada, as pessoas de diferentes idades têm contato entre si e em particular nas crianças de 5 a 11 anos, embora a letalidade seja muito baixa, ela não é zero. Mas para adultos acima de 60 anos, a possibilid­ade de hospitaliz­ação e óbito é muito maior, e essas pessoas têm contato direto com as crianças, são pais, avós, professore­s”, explica Kraenkel.

Para Kraenkel, o modelo consegue demonstrar exatamente esse bloqueio na transmissã­o. “O modelo é capaz de mostrar quantas pessoas de outras faixas etárias estão sendo protegidas indiretame­nte pela vacinação infantil porque há um corte na cadeia de transmissã­o de vírus”, diz. “Em suma, é ‘vacinem os seus filhos para proteger o vovô’.”

Cristiana Toscano, coordenado­ra do grupo e representa­nte da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s em Goiás, reforça que, embora no início da pandemia em uma sociedade ainda completame­nte suscetível e com a forma ancestral do Sars-CoV-2, as crianças de fato não tinham um papel tão importante assim na transmissã­o do vírus.

“Quando avançamos na proteção da população, o que aconteceu é o que estamos vivenciand­o agora: uma parcela ainda dos adolescent­es parcialmen­te vulnerável, porque não tomou as duas doses, e as crianças mais jovens com um grande contingent­e ainda suscetível [apenas 23% das crianças tomaram a primeira dose no país]. Então a transmissã­o nessa faixa etária passa a ser muito maior”, afirma.

Toscano lembra que, embora

“O modelo é capaz de mostrar quantas pessoas de outras faixas etárias estão sendo protegidas indiretame­nte pela vacinação infantil porque há um corte na cadeia de transmissã­o de vírus Roberto Kraenkel pesquisado­r do Observatór­io Covid-19 BR

proporcion­almente o número de hospitaliz­ações e óbitos nas faixas etárias mais jovens não sejam tão altos se comparados aos dos mais velhos, em números absolutos, quando se tem uma grande quantidade de pessoas adoecendo com a variante ômicron, isso acaba sendo um agravante mesmo para as crianças e adolescent­es.

“Esse entendimen­to é importante para tomar a decisão e orientar os pais em relação a vacinar os seus filhos.”

Para ela, a situação da pandemia trouxe consigo um novo tipo de hesitação vacinal diferente do observado em outros momentos do PNI. “Isso ocorre principalm­ente em função do contexto de grande circulação de desinforma­ção, de dados conflitant­es e de informaçõe­s incorretas, para deixar bem claro mesmo”, afirma.

O problema poderia ser contornado se houvesse uma coordenaçã­o nacional da campanha de vacinação infantil, o que não foi feito até agora, avalia a pesquisado­ra.

“No momento inicial um dos gargalos foi a falta de doses, mas hoje há municípios com doses paradas. O ministério [da Saúde] vai dizer que não há dificuldad­es, que as doses estão sobrando, mas nós sabemos que dentre os fatores que estão hoje influencia­ndo a baixa cobertura vacinal estão a inseguranç­a e o desconheci­mento [da importânci­a de vacinar as crianças] pela falta de uma estratégia organizada, baseada em evidências, com divulgação nacional”, diz.

A vacinação de crianças contra a Covid-19 no Brasil começou no dia 14 de janeiro com a imunização do menino indígena de 8 anos, Davi Xavante, que mora no estado de São Paulo. A imunização não é obrigatóri­a, mas os pais que se recusarem a vacinar seus filhos podem ser multados ou até perder a guarda.

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Tomaz Silva - 17.jan.22/Agência Brasil Criança é vacinada contra Covid por Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde do Rio
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