Países como o Brasil deixam de tratar 70% dos casos de depressão
SÃO PAULO A depressão afeta 5% da população adulta, é considerada uma das doenças mais incapacitantes, mas metade dos casos ainda é negligenciada nos países desenvolvidos. Em países de baixa ou média renda, como o Brasil, a falta de diagnóstico e tratamento atinge mais de 70% das pessoas com o problema.
Os dados constam em um relatório da Associação Mundial de Psiquiatria sobre Depressão e da revista The Lancet, que será divulgado em um seminário internacional nesta quarta-feira (16).
Elaborado por 25 pesquisadores de 11 países e de diversas disciplinas —da saúde pública à neurociência—, o documento chama a atenção para o descaso com que os países têm lidado com a grave crise global de depressão e pede um engajamento de toda a sociedade.
Entre as propostas está a capacitação de outros profissionais não médicos, de pessoas da comunidade e de jovens que já tiveram depressão e estejam dispostos a ajudar outros que passam pelo mesmo problema.
Com o isolamento social, o luto, as dificuldades e o acesso limitado aos cuidados de saúde provocados pela pandemia de Covid-19, a saúde mental das pessoas se deteriorou ainda mais e, segundo o relatório, há um “tsunami” de necessidades não atendidas nessa área.
O psiquiatra Christian Kieling, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coeditor do relatório, diz que a meta foi concentrar no documento todo o conhecimento acumulado até agora sobre depressão, as barreiras e os caminhos para enfrentá-la.
“Tem muita coisa que a gente ainda não sabe sobre depressão e que precisamos investir em pesquisas para avançar, mas tem muito que a gente já sabe como prevenir e tratar depressão. Infelizmente, a maior parte do planeta não tem acesso.”
Os pesquisadores apoiam uma abordagem personalizada da depressão, que reconheça a cronologia e a intensidade dos sintomas. E recomendam intervenções adaptadas às necessidades específicas do indivíduo, à gravidade da doença e aos recursos disponíveis.
Entre as estratégias estão desde autoajuda e mudanças no estilo de vida até terapias psicológicas, antidepressivos e tratamentos mais intensivos, como terapia eletroconvulsiva (ECT).
“Há até estratégias de interação social e convívio social para a terceira idade. Hoje, a gente vê claramente a associação entre solidão e depressão em idosos”, diz Kieling.
O relatório menciona intervenções terapêuticas na comunidade, como o Banco da Amizade, desenvolvido pelo psiquiatra Dixon Chibanda, do Zimbábue, em que as avós são treinadas com técnicas de terapias com evidências científicas.
“Se eu capacitar pessoas, sob supervisão do médico de família da UBS, envolvendo outros membros da comunidade, como escolas, serviços sociais, grupos religiosos, com o paciente no centro, é possível oferecer um cuidado tão eficaz ou mais do que aquele oferecido pelo especialista”, diz Kieling.
O engajamento de pessoas que já passaram por episódios de depressão no cuidado de outras que agora enfrentam o problema é uma outra estratégia. Na Austrália, jovens que já vivenciaram a depressão ajudam outros.
O documento alerta que são necessárias estratégias que reduzam a exposição a experiências adversas na infância (como violência) para diminuir a prevalência de depressão na vida adulta.
Há ainda fatores de risco associados à depressão que podem ser prevenidos por políticas públicas, como tabagismo, consumo de álcool, inatividade física, violência doméstica, luto e crise financeira. Grupos desprivilegiados do ponto de vista socioeconômico, que passam por situações de discriminação, e as mulheres também são mais suscetíveis.
“Tem muita coisa que a gente ainda não sabe sobre depressão e que precisamos investir em pesquisas para avançar, mas tem muito que a gente já sabe como prevenir e tratar depressão Christian Kieling psiquiatra