SAF de clube menor lucra em revenda de ações e jogadores
Negócios em divisões inferiores têm riscos diferentes de Cruzeiro e Botafogo
são paulo Se os compradores de Botafogo e Cruzeiro apostam em um modelo de negócio que envolve grandes torcidas e a transformação do clube em uma marca explorada mundialmente, a maioria das agremiações brasileiras vive longe dessa realidade.
Isso não quer dizer que associações de menor expressão fiquem fora do universo mercadológico dos clubes-empresa após a aprovação da lei da SAF. Mas, longe dos holofotes, esses clubes precisam se atentar para o fato de que a lógica e os riscos são diferentes.
Especialistas ouvidos pela Folha explicam que há dois principais modelos quando falamos de clubes das séries B, C e D: o baseado na formação e venda de jogadores e o que aposta na ascensão de um clube para depois revendê-lo.
Cada projeto depende não só das características do comprador, mas também da associação. Para o primeiro modelo, é mais interessante um clube com menos torcida. Por outro lado, uma boa estrutura de centros de treinamento e bons profissionais na captação de atletas favorecem o negócio, cujo sucesso consiste basicamente na capacidade de negociação de jogadores.
Por isso, muitas vezes os compradores são também empresários de jogadores. Um exemplo é o Estoril, da segunda divisão portuguesa.
Thairo Arruda, sócio da Matix Capital, diz que alguns dirigentes preferem não subir de divisão, já que os custos em séries inferiores são menores.
“No segundo modelo, há um alinhamento de interesses com a torcida, e o investidor ganha o retorno quando ele vende o clube dele numa divisão superior, por um valor maior”, diz Arruda, que atuou ao lado de Danilo Caixeiro na venda do Botafogo e hoje trabalham com John Textor.
Cesar Grafietti, economista e sócio da consultoria Convocados, chama atenção para a necessidade de gerar receitas à medida que o clube ganha projeção. “Você precisa de uma cidade com apelo de torcida e com uma influência na região para, se o clube crescer, colocar 25 mil pessoas em um estádio. Porque assim você terá receitas vindas do torcedor que podem ajudar no dia a dia da operação do clube, que vai ficar mais cara”, afirma Grafietti.
Jornalista, pesquisador e autor do livro “Clube Empresa” (Corner, 2020), Irlan Simões contesta que essa valorização pode não ser tão simples. “Existe a ilusão de que, com um aporte financeiro e um resultado esportivo, futuramente o clube vai ter uma torcida maior e, consequentemente, ser rico. Numa história centenária de um clube, não é o resultado de dez anos que vai mudar isso”, diz Simões.
E quanto vale um clube das séries B, C e D? Ainda é cedo, dizem, para falar nesses números. E existem as particularidade de cada investimento, como tamanho de torcida e valor do elenco.
Também os resultados devem demorar a aparecer. Para que um clube de exportação consiga formar gerações de jovens atletas e se consolidar, Grafietti estima que seja necessário ao menos dez anos.
O modelo de revenda é mais difícil de prever. O sucesso em campo pode demorar mais que o esperado. Também não basta chegar à elite, é necessário se firmar nela —e depois achar um novo comprador.
Grafietti projeta que, para clubes de formação, os principais interessados serão aqueles compradores que detêm uma rede de negócios no futebol, sejam empresários, conglomerados bilionários ou fundos de maturação a longo prazo. Já para o modelo de revenda, o economista imagina compradores vindos de fundos de investimento grandes ou grupos de torcedores com dinheiro —caso, por exemplo, do Atlético-MG.
Irlan Simões vê certa afobação por parte de clubes que, ainda sem um projeto de SAF sólido, já querem vender suas ações. O risco é acabar nas mãos de compradores com interesses escusos ou que não têm competência para gerir o negócio. Ele lembra, por exemplo, que há um dispositivo na lei que isenta de tributação as transações de jogadores por cinco anos.
“Em cinco anos, um empresário faz um belíssimo estrago num clube de futebol: forma duas, três gerações de base, vende sem tributação e depois cai fora”, diz.