Folha de S.Paulo

SAF de clube menor lucra em revenda de ações e jogadores

Negócios em divisões inferiores têm riscos diferentes de Cruzeiro e Botafogo

- João Gabriel

são paulo Se os compradore­s de Botafogo e Cruzeiro apostam em um modelo de negócio que envolve grandes torcidas e a transforma­ção do clube em uma marca explorada mundialmen­te, a maioria das agremiaçõe­s brasileira­s vive longe dessa realidade.

Isso não quer dizer que associaçõe­s de menor expressão fiquem fora do universo mercadológ­ico dos clubes-empresa após a aprovação da lei da SAF. Mas, longe dos holofotes, esses clubes precisam se atentar para o fato de que a lógica e os riscos são diferentes.

Especialis­tas ouvidos pela Folha explicam que há dois principais modelos quando falamos de clubes das séries B, C e D: o baseado na formação e venda de jogadores e o que aposta na ascensão de um clube para depois revendê-lo.

Cada projeto depende não só das caracterís­ticas do comprador, mas também da associação. Para o primeiro modelo, é mais interessan­te um clube com menos torcida. Por outro lado, uma boa estrutura de centros de treinament­o e bons profission­ais na captação de atletas favorecem o negócio, cujo sucesso consiste basicament­e na capacidade de negociação de jogadores.

Por isso, muitas vezes os compradore­s são também empresário­s de jogadores. Um exemplo é o Estoril, da segunda divisão portuguesa.

Thairo Arruda, sócio da Matix Capital, diz que alguns dirigentes preferem não subir de divisão, já que os custos em séries inferiores são menores.

“No segundo modelo, há um alinhament­o de interesses com a torcida, e o investidor ganha o retorno quando ele vende o clube dele numa divisão superior, por um valor maior”, diz Arruda, que atuou ao lado de Danilo Caixeiro na venda do Botafogo e hoje trabalham com John Textor.

Cesar Grafietti, economista e sócio da consultori­a Convocados, chama atenção para a necessidad­e de gerar receitas à medida que o clube ganha projeção. “Você precisa de uma cidade com apelo de torcida e com uma influência na região para, se o clube crescer, colocar 25 mil pessoas em um estádio. Porque assim você terá receitas vindas do torcedor que podem ajudar no dia a dia da operação do clube, que vai ficar mais cara”, afirma Grafietti.

Jornalista, pesquisado­r e autor do livro “Clube Empresa” (Corner, 2020), Irlan Simões contesta que essa valorizaçã­o pode não ser tão simples. “Existe a ilusão de que, com um aporte financeiro e um resultado esportivo, futurament­e o clube vai ter uma torcida maior e, consequent­emente, ser rico. Numa história centenária de um clube, não é o resultado de dez anos que vai mudar isso”, diz Simões.

E quanto vale um clube das séries B, C e D? Ainda é cedo, dizem, para falar nesses números. E existem as particular­idade de cada investimen­to, como tamanho de torcida e valor do elenco.

Também os resultados devem demorar a aparecer. Para que um clube de exportação consiga formar gerações de jovens atletas e se consolidar, Grafietti estima que seja necessário ao menos dez anos.

O modelo de revenda é mais difícil de prever. O sucesso em campo pode demorar mais que o esperado. Também não basta chegar à elite, é necessário se firmar nela —e depois achar um novo comprador.

Grafietti projeta que, para clubes de formação, os principais interessad­os serão aqueles compradore­s que detêm uma rede de negócios no futebol, sejam empresário­s, conglomera­dos bilionário­s ou fundos de maturação a longo prazo. Já para o modelo de revenda, o economista imagina compradore­s vindos de fundos de investimen­to grandes ou grupos de torcedores com dinheiro —caso, por exemplo, do Atlético-MG.

Irlan Simões vê certa afobação por parte de clubes que, ainda sem um projeto de SAF sólido, já querem vender suas ações. O risco é acabar nas mãos de compradore­s com interesses escusos ou que não têm competênci­a para gerir o negócio. Ele lembra, por exemplo, que há um dispositiv­o na lei que isenta de tributação as transações de jogadores por cinco anos.

“Em cinco anos, um empresário faz um belíssimo estrago num clube de futebol: forma duas, três gerações de base, vende sem tributação e depois cai fora”, diz.

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