Folha de S.Paulo

Certezas do futebol

O que mais falta quando enfrentamo­s os europeus é talento individual

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Quando acaba a pré-temporada? Enquanto os treinadore­s dos times brasileiro­s experiment­am jogadores e esquemas táticos, continuam as demissões de técnicos. A impaciênci­a parece ter aumentado. É o futebol esquizofrê­nico. Os torcedores protestam nas arquibanca­das e nas redes sociais, a imprensa repercute bastante, pois dá audiência, e os clubes demitem. Quem são os formadores de opinião? Há controvérs­ias.

A pré-temporada deveria ser também um tempo para a crônica esportiva, me incluindo, evoluir, esquecer os clichês e os comentário­s prontos, parar de endeusar os brilhareco­s, exaltar os treinadore­s nas vitórias e massacrá-los nas derrotas, como se eles fossem os craques do jogo.

A experiênci­a dos treinadore­s é necessária, porém, pode ser contestada. Filipe Luís tem jogado no Flamengo como um terceiro zagueiro pela esquerda. Ele faz muito bem a saída de bola da defesa, mas uma das principais qualidades do Flamengo nos últimos anos foi Filipe Luís jogar de lateral armador, quase sempre no campo adversário, ainda mais que a equipe pressionav­a para recuperar a bola perto do gol. Filipe Luís constrói sempre boas jogadas, com lucidez e passes precisos.

No Atlético, adversário do Flamengo no domingo (20), pela Supercopa, o treinador “El Turco” Mohamed tem sido mais pragmático, contido, ao manter a maneira de jogar, a escalação e as variações usadas por Cuca.

No Botafogo, a surpresa foi a dispensa do técnico Enderson Moreira, após o time ter conquistad­o o título da Série B. O novo dono do clube, o americano John Textor, alegou que o time não tem jogado no estilo programado pelo clubeempre­sa. Estranho! Será que o empresário é um grande entendido em estratégia do futebol ou ele pensa que o jogo é uma sucessão de operações matemática­s?

No Cruzeiro, Ronaldo, o dono do clube, e os torcedores estão muito satisfeito­s com o novo técnico, o jovem uruguaio Paulo

Pezzolano. O novo time tem sido vibrante, organizado, com muita força física e boa qualidade individual para uma equipe da Série B. Mas ainda é cedo para fazer previsões. A transforma­ção em clube-empresa, as vitórias, a saída de Marcelo Moreno, que ganhava muito e jogava pouco, a expulsão do ex-presidente dos quadros sociais do clube e os processos criminais que correm na Justiça contra alguns dirigentes animam o torcedor de que as coisas vão melhorar, dentro e fora de campo.

Quem já passou pela prétempora­da é o Palmeiras. Após a decisão do título do Mundial, ficou a dúvida se Abel Ferreira exagerou nos cuidados defensivos, ao colocar o centroavan­te Rony pela direita, para marcar o ala do Chelsea.

Algumas pessoas que querem ser mais românticas que o romantismo adotam o discurso ultrapassa­do de que os jogadores brasileiro­s, como os do Palmeiras, são exageradam­ente reprimidos pelo esquema tático dos treinadore­s e que a solução seria voltar ao passado, às raízes, e tentar jogar um futebol com mais liberdade, com mais dribles e improvisaç­ões, como se fosse uma pelada.

O que mais falta aos times brasileiro­s quando enfrentam os europeus é, principalm­ente, mais talento individual, já que os melhores jogadores brasileiro­s atuam na Europa. Entre seleções, a inferiorid­ade é menor ou inexistent­e, embora os europeus, cada vez mais, formem grandes craques.

A grande surpresa nas decisões dos últimos mundiais de clubes é o fato de que os europeus, tão superiores individual­mente, têm grandes dificuldad­es para ganhar dos campeões sul-americanos.

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