Folha de S.Paulo

Editor durão, Kirjner trabalhou na Folha por três décadas

FOLHA, 100 HUMANOS DA FOLHA

- Carlos Bozzo Junior

são paulo Ruivo, alto, sisudo e elegante (sempre de terno e gravata), o gaúcho Simão Kirjner Sobrinho (1923-2000) fez parte, por quase 30 anos, de uma Redação da Folha que há muito não existe mais.

“Naquele tempo, o tempo do Nabantino [José Nabantino Ramos, dono do jornal de 1945 a 1962], todo mundo, como ele [Kirjner], usava terno e gravata, alguns iam ao jornal de chapéu. Na Redação, havia um lugar destinado a pendurar os chapéus e a deixar os guarda-chuvas”, lembra Bernardo Lerer, 80, que trabalhou no jornal em dois períodos, de 1961 a 1963 e de 1977 a 1978.

“Eu sou judeu e o Simão também, morávamos no bairro do Bom Retiro. Havia um instinto comunitári­o, e o Simão me acolheu. Eu era foca [termo para se referir a jornalista­s novatos], e ele ajudava os focas”, afirma Lerer.

“Naquele tempo, sem nenhuma razão específica, havia poucos judeus na Redação. Éramos eu, Noé Gertel, que escrevia sobre cinema, Julio Abramczyk, sobre medicina, Isaac Jardanovsk­i, sobre engenharia, urbanismo e arquitetur­a, e o Simão, que era editor de Cidades [atualmente Cotidiano].”

Segundo Lerer, Kirjner era rigoroso em relação à qualidade dos textos. “Quando o Simão mandava refazer um parágrafo, eu refazia e pronto, pois ele sabia o que estava falando. A gente tinha respeito profission­al por ele”.

Entre os momentos marcantes do trabalho com Kirjner lembrados por Lerer, destaca-se o dia 25 de agosto de 1961. “Na renúncia do Jânio [Quadros, então presidente do Brasil], todos os jornais soltaram uma edição extra, e o Simão participou daquela edição, assim como eu. O telefone tocou, era um colega de Brasília passando a carta de renúncia do Jânio. Tomei a iniciativa de falar em voz alta para que um outro colega também anotasse e nós fôssemos fiéis ao que estava sendo ditado.”

Mario Chimanovit­ch, 76, jornalista há 53 anos, foi repórter investigat­ivo. Cobriu conflitos no Oriente Médio e na África. Além de repórter da Folha, foi um dos secretário­s do Notícias Populares, jornal que circulou entre 1963 e 2001.

“Simão, judeu como eu, me despertou para o jornalismo. Éramos amigos do Bom Retiro e, às vezes, eu o acompanhav­a até o prédio da Folha, via aquele movimento e ficava fascinado. Ele conseguiu para mim um emprego em Esporte, com o Aroldo Chiorino, que era editor”, conta

Chimanovit­ch.

“O Simão editou a Ilustrada, a primeira página do jornal e criou o suplemento agrícola”, lembra Chimanovit­ch. Segundo o amigo, Kirjner era extremamen­te rigoroso com a apuração dos fatos e não era uma pessoa fácil. “Ele era daqueles gaúchos meio invocados, durões. Não ria muito e nos cobrava bastante durante o fechamento. Mas era um grande profission­al.”

Para o cartunista Mauricio de Sousa, que começou como repórter policial na Folha da Manhã, Kirjner foi um dos profission­ais que o orientou na escrita jornalísti­ca.

“Quando cheguei à Folha, ele foi um dos caras que me disse que não dava para escrever como escritor. Era preciso ser direto”, recorda-se.

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Reprodução Registro de emprego de Kirjner, que trabalhou na Folha de 1949 a 1978

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