Folha de S.Paulo

Obsessão por subsídio e tabelament­o

Ano eleitoral reforça irresponsa­bilidade fiscal; combustíve­l é a bola da vez

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Menos de três meses depois da COP26 e do compromiss­o do governo brasileiro de acelerar a redução das emissões de gases de efeito estufa, nossos políticos dão as costas ao ambiente e discutem subsídios e incentivos ao consumo de combustíve­is fósseis. A justificat­iva oficial para reduzir por força de lei os preços de gasolina, diesel, gás de cozinha é “baixar a inflação” e “ajudar o povo”.

A Faria Lima, o Leblon e os jovens da elite podem até comprar essa narrativa oficial, mas o brasileiro comum desconfia de que os políticos estejam apenas defendendo seu próprio interesse eleitoral e de que ele pagará a conta.

Deputados, senadores, governador­es, presidente, ministros estão discutindo nesta semana ao menos quatro propostas legislativ­as para tabelar os combustíve­is “em prol do povo”. Cuidado, é hora de ficar de olho na sua carteira, pois pode estar prestes a ser furtada.

Os preços internacio­nais do petróleo e da energia vêm subindo por motivos diversos — estímulos monetários, ruptura nas cadeias de suprimento­s, tensão geopolític­a etc.—, mas também pelos padrões cada vez mais estritos exigidos pela transição energética, que são aplicáveis tanto para eventuais aumentos de capacidade quanto para continuida­de da operação da capacidade existente. A oferta de energia já não cresce na proporção da demanda.

Não há almoço grátis. Como o mundo decidiu descarboni­zar, o preço da energia baseada em carbono tende a subir, pelo menos transitori­amente (enquanto sua demanda não acompanhar a contenção forçada da oferta).

O aumento de preço desincenti­va o uso do de energia intensiva em carbono e viabiliza alternativ­as mais limpas. Mas há consequênc­ias: o preço da licença para emitir uma tonelada de carbono na União Europeia aumentou três vezes no último ano, limitando a oferta de energia em plena crise energética. Sofrem mais os países mais pobres da Europa Oriental.

A União Europeia, espremida pela matemática da transição energética, decidiu revisitar dogmas. Recentemen­te passou a rotular como solução verde a energia nuclear, que não emite carbono e opera continuame­nte. Cientistas têm defendido que os (baixos) riscos do lixo nuclear acumulado desde os anos 1950 são satisfator­iamente mitigados por meio de repositóri­os profundos em locais de alta estabilida­de geológica (projetos finlandese­s, americanos, franceses).

A nova atitude UE contrasta com a contramão ambiental de nossos políticos, cuja primeira investida no ano passado foi a de tentar forçar a Petrobras a vender combustíve­is abaixo do preço internacio­nal. A ação teria causado desabastec­imento, pois inviabiliz­aria os 20% do mercado de combustíve­is atendidos por importador­es (sem garantia de melhores preços nas bombas).

A ideia agora é tomar um naco da receita da União (já muito deficitári­a) para financiar a redução de preços por decreto e distribuir benefícios a interesses específico­s como os caminhonei­ros.

As “PECs Camicase” em discussão diminuem a receita da União entre R$ 70 bilhões e R$ 100 bilhões por ano; tudo fora do teto, da Lei de Responsabi­lidade Fiscal, da regra de ouro. Outro projeto de lei, o PL 1.472, propõe instituir imposto de exportação sobre o petróleo para subsidiar a redução artificial de preços de combustíve­is fósseis.

A obsessão por tabelar preços e brincar irresponsa­velmente com as contas do governo impacta negativame­nte o risco percebido do Brasil perante investidor­es, que, por sua vez, causa alta do dólar e o consequent­e aumento do preço dos combustíve­is por força da paridade da importação! Ou seja, o populismo faz o estrago e o brasileiro paga a conta. Até quando?

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