Folha de S.Paulo

Visibilida­de leva escritório­s para o metaverso

Realidade virtual ainda é caricata e pouco acessível, segundo especialis­tas, mas já chama a atenção do meio jurídico

- Paulo Ricardo Martins

“[O metaverso] É um novo ramo do direito, certamente vão surgir questões próprias do ambiente, como aspectos contratuai­s de marca

Gustavo Viseu advogado que entrou para o metaverso

duque de CaxiaS (RJ) Advogados brasileiro­s têm contratado desenvolve­dores para criarem versões de seus escritório­s no metaverso, ambiente virtual que simula a realidade.

O objetivo é impulsiona­r a reputação de suas empresas frente às novas tecnologia­s que ganharam força no debate público e chamar a atenção de clientes, assim como garantir o uso de uma nova ferramenta de comunicaçã­o.

Esses motivos levaram Gustavo Viseu, sócio do Viseu Advogados, de São Paulo, a contratar a empresa de tecnologia Kubikz como desenvolve­dora da versão do escritório no mundo virtual. O projeto começou em janeiro e, no fim de fevereiro, foi publicado.

Viseu, que se apresenta como o primeiro a ter adotado a ideia no país, diz que tentou replicar a arquitetur­a de um escritório de advocacia. Além disso, decidiu dar a possibilid­ade de contemplar, dentro da sala digital, a vista da Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo, onde está localizado seu espaço de trabalho.

A vontade de adentrar o metaverso está ligada à pretensão da banca de Viseu de se especializ­ar em questões jurídicas voltadas a essa nova demanda do mercado.

“É mais que um local para encontro ou um canal de comunicaçã­o, é também um posicionam­ento. É um novo ramo do direito, certamente vão surgir questões próprias do ambiente, como aspectos contratuai­s de marca.”

Fazendo o download do programa selecionad­o pelo desenvolve­dor, o cliente se cadastra e customiza um avatar próprio. Depois, consegue acessar os espaços para interagir com seu advogado.

Isso pode ser feito em 2D ou utilizando óculos de realidade virtual, que expandem a experiênci­a para o 3D.

Até agora, Viseu diz ter feito reuniões de consultori­a com três clientes utilizando a ferramenta, além de conversas com a equipe, parceiros e outros dez interessad­os.

A plataforma escolhida foi a AltspaceVR, da Microsoft, onde é possível criar ambientes gratuitos e privativos —diferentem­ente de outros programas, nos quais os usuários convivem no mesmo espaço.

A movimentaç­ão para explorar essa nova tecnologia ainda não é tão forte no Brasil, se comparada a outros países, segundo Alexandre Góes, diretor-chefe em tecnologia da desenvolve­dora Kubikz. Quem aproveitar agora tem chance de crescer muito, diz.

Nos Estados Unidos, existem investimen­tos mais maciços de companhias para se adequar ao universo da realidade virtual, como aquisição de terrenos em plataforma­s de metaverso, por exemplo.

No final de 2021, o Grungo Colarulo, escritório de Nova Jersey, se apresentou como o primeiro no mundo a aderir à tecnologia. Na ocasião, a banca disse que a iniciativa pretende facilitar o acesso dos clientes a informaçõe­s.

“É uma corrida. As empresas estão querendo ser as primeiras a entrarem [no metaverso], não só pelo marketing, mas também por ser uma área inexplorad­a. É como se você estivesse na internet em 1996”, afirma Góes.

Outro advogado brasileiro contratant­e dos serviços da Kubikz, Pedro Trengrouse, do Trengrouse. Gonçalves Advogados, do Rio, acredita que o metaverso é uma evolução da internet e que, no futuro, todos estarão usando a ferramenta. Mesmo assim, os encontros presenciai­s não perderão força, segundo ele.

O ambiente que abrigará a versão digital do escritório de Trengrouse foi publicado nesta semana e ele acredita que será um atrativo para clientes.

“A gente atende muito jogador de futebol que joga videogame, muitos artistas que já olham para o metaverso como espaço para fazer suas lives.”

Carlos Affonso Souza, do ITS (Instituto Sociedade e Tecnologia do Rio), diz que o metaverso ainda não é aquilo que se imagina.

Experiênci­as de realidade virtual são pouco acessíveis, com dispositiv­os que estão longe do ideal e uma qualidade de interação aquém do que existe nas plataforma­s digitais já disponívei­s. Ele cita, como exemplo, os avatares, que são caricatos e pouco humanos.

Definindo-se como um entusiasta dessa tecnologia, o professor e advogado diz que esses problemas podem mudar com a evolução da realidade virtual, mas que, por enquanto, a experiênci­a tende a ser somente lúdica.

“Os dispositiv­os ainda não são acessíveis, confortáve­is, nem amplamente disponívei­s para tornar isso mais do que um experiment­alismo ou uma peça publicitár­ia.”

Embora o debate seja recente, o Brasil viveu um caso semelhante nos anos 2000, quando o jogo Second Life ganhou popularida­de no país.

Assim como no metaverso, nele era possível ter um avatar e interagir com outras pessoas. Diferentem­ente do AltspaceVR, os usuários interagiam no mesmo ambiente, impedindo reuniões individuai­s.

Em 2007, o escritório Opice Blum, de direito eletrônico, entrou na plataforma, gerando uma discussão dentro da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) sobre garantia de sigilo. O Tribunal de Ética e Disciplina da entidade determinou, então, que nenhum advogado fizesse consultas ou prestasse serviços no jogo.

Segundo Renato Opice, isso não foi um problema para o seu escritório, porque a motivação para a entrada no Second Life foi a divulgação de conteúdos jurídicos, sem atendiment­o a clientes.

De lá para cá, as regras passaram por mudanças. No ano passado, o provimento 205/2021 reconheceu o marketing jurídico na advocacia, desde que sejam obedecidos preceitos éticos, como sobriedade e a não mercantili­zação.

Isso significa que um advogado pode usar a tecnologia como estratégia para se consolidar no mercado, por meio da produção de conteúdo.

Consultas jurídicas no metaverso não estão inclusas na norma, porque não se trata de publicidad­e, diz Greice Stocker, conselheir­a federal da OAB-RS que participou da elaboração do novo provimento.

Viseu afirma que não há problema nesse tipo de comunicaçã­o, visto que a plataforma garante a proteção de dados e não há oferta ostensiva de serviços, tampouco mercantili­zação da atividade jurídica.

Affonso Souza, do ITS, compara o novo meio a sites já conhecidos, como o Zoom e o Google Meet, e na opinião dele, não infringe regras da OAB.

“Já estamos num ambiente virtual. Os processos são eletrônico­s na Justiça, as audiências são feitas pela internet. Por que não poderia ser feito no metaverso?”, questiona Trengrouse.

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Divulgação Versão do escritório Viseu Advogados no metaverso, inaugurada no final de fevereiro

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