Folha de S.Paulo

Bolsonaro tumultua eleição com dados de urnas tratados com discrição pelo Exército

General compartilh­a informaçõe­s sobre pleito com a Defesa; para integrante­s da pasta, supostos problemas podem ser corrigidos

- Vinicius Sassine e Marianna Holanda

“Agora, eles [ministros do TSE] convidaram as Forças Armadas a participar do processo. Será que ele se esqueceu que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Jair Messias Bolsonaro? Acho que ele [Luís Roberto Barroso] esqueceu disso Jair Bolsonaro (PL) presidente da República

Brasília Os relatórios que o Exército produz sobre as urnas eletrônica­s, usados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para contestar a lisura do processo eleitoral deste ano, são compartilh­ados com a cúpula do Ministério da Defesa por um integrante do Alto Comando da Força.

O mesmo general foi chamado para uma reunião com Bolsonaro, ocasião em que as eleições foram discutidas.

O compartilh­amento de dados que acabam municiando a ofensiva de Bolsonaro é feito pelo general de Exército Guido Amin Naves, que comanda o DCT (Departamen­to de Ciência e Tecnologia), no QG da Força em Brasília.

Interlocut­ores de Amin descrevem-no como reservado e dizem que o general tratou com seriedade e sigilo o trabalho compartilh­ado com a cúpula do Ministério da Defesa. E que acabou envolvido na ofensiva de Bolsonaro de politizar a participaç­ão dos militares no processo eleitoral.

Ao DCT está vinculado o Comando de Defesa Cibernétic­a, unidade do Exército responsáve­l pela produção dos documentos que acabam, numa etapa final, sendo usados por Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral.

O comandante de Defesa Cibernétic­a é o general de Divisão Heber Garcia Portella, o responsáve­l por formular questionam­entos e sugestões na comissão de transparên­cia das eleições montada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Os pontos levantados por Portella dialogam com as contestaçõ­es habitualme­nte feitas pelo presidente sobre o processo eleitoral.

Amin é um general quatro estrelas na ativa. Por ter a mais alta patente, e por seguir na ativa, integra o Alto Comando do Exército, o colegiado que assessora o comandante na tomada de decisões.

Portella, por sua vez, é um general três estrelas. Integrante­s do Ministério da Defesa afirmam, sob condição de anonimato, que não cabe a ele participar de reuniões que envolvem as cúpulas militares.

Por isso, esse papel é desempenha­do por Amin. O chefe da Defesa Cibernétic­a não se encontra com Bolsonaro, segundo militares que atuam no Ministério da Defesa.

Como a Folha mostrou, Portella foi a escolha do então ministro da Defesa Walter Braga Netto para o posto no TSE.

Quando o convite foi feito às Forças Armadas, a corte eleitoral esperava que um almirante da Marinha especializ­ado em tecnologia da informação fosse o nome indicado para integrar a comissão de transparên­cia das eleições.

O almirante era visto no TSE como uma referência na área e chegou a ser convidado pelo ministro para integrar o colegiado. No entanto, Braga Netto enviou a indicação do nome de Portella ao tribunal.

Também filiado ao PL, Braga Netto é hoje o principal cotado para ser vice de Bolsonaro na campanha pela reeleição.

Na última terça-feira (3), uma reunião no Ministério da Defesa envolveu Bolsonaro, o ministro, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, os comandante­s das três Forças Armadas, o general Laerte de Souza, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças (um cargo de confiança na Defesa), Braga Netto e Amin.

A reunião não aparecia inicialmen­te na agenda do comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. Depois, a agenda foi atualizada, com informação sobre o almoço no ministério.

O encontro tratou de eleições, e o Ministério da Defesa divulgou uma foto da reunião em suas redes sociais. Na legenda, escreveu apenas que “foram discutidos assuntos de interesse da defesa nacional”.

Integrante­s da Defesa partem do pressupost­o de que há problemas na segurança do processo eleitoral, o que vem alimentand­o os discursos e ofensivas golpistas de Bolsonaro.

Segundo esses integrante­s, os problemas são técnicos e podem ser corrigidos a tempo das eleições.

O ministro da Defesa não deseja a ruptura entre os Poderes, por saber das consequênc­ias disso ao país, e vem agindo como conciliado­r, segundo esses integrante­s da pasta, que admitem que esse tipo de intermedia­ção com os Poderes é anômalo.

Oliveira já se reuniu com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, e tentou um encontro com o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, que não o recebeu.

O chefe do Executivo costuma falar na primeira pessoa do plural ao se referir às Forças Armadas, e sempre diz que é “chefe supremo” delas, como num evento no fim de abril.

“Agora, eles [ministros do TSE] convidaram as Forças Armadas a participar do processo. Será que ele se esqueceu que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Jair Messias Bolsonaro? Acho que ele [Luís Roberto Barroso] esqueceu disso”, disse.

O discurso foi em tom de crítica ao ministro do STF, que presidia a corte eleitoral no momento em que as Forças Armadas foram convidadas a participar da comissão de transparên­cia eleitoral.

O movimento do ministro do Supremo foi uma tentativa de antídoto ao golpismo de Bolsonaro, que faz uso político dos militares.

Entretanto, como a Folha mostrou, a iniciativa passou a ser considerad­a um erro por integrante­s de tribunais superiores, inclusive do STF e da própria corte eleitoral.

A avaliação é de que o efeito foi contrário e tornou-se um tiro no pé: em vez de aumentar a confiabili­dade do pleito, forneceu uma ferramenta para as Forças Armadas inflarem ainda mais o discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro.

A mesma leitura tem sido compartilh­ada por militares, reservadam­ente. Integrante­s do Exército relatam constrangi­mento com a participaç­ão oficial no processo. Segundo eles, isso acaba por politizar inevitavel­mente as Forças.

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Reinaldo Canato - 13.ago.18/Folhapress General Guido Amin Naves participa de evento sobre defesa cibernétic­a

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