Folha de S.Paulo

O discurso de Lula

Ex-presidente promete o que Bolsonaro não entregou: governo

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela universida­de de Oxford (Inglaterra)

O discurso de Lula no evento de lançamento da chapa Lula/Alckmin explorou o principal ponto fraco de Bolsonaro: em 2018, os brasileiro­s não queriam um político, mas queriam um governo. Isso, Bolsonaro não lhes deu. Quem deu foi Lula.

E essa é a vantagem de Lula. Mesmo que os brasileiro­s tenham críticas a Lula como político, ele já lhes entregou um bom governo. Lula não achava que seu local de trabalho era o Twitter. Quando a crise do subprime atingiu o Brasil em 2008, Lula não escolheu a estratégia de combate à crise que lhe permitisse trabalhar menos, como Bolsonaro fez com a “imunidade de rebanho” durante a pandemia. Lula criou o Bolsa Família. Bolsonaro mudou o nome do Bolsa Família. Não há uma única política pública digna de nota introduzid­a pelo governo Bolsonaro.

Durante a campanha de 2018, era difícil achar um colunista menos otimista com a perspectiv­a de um governo Bolsonaro do que eu. Mas se você tivesse me dito que, depois de quatro anos, Jair não teria implementa­do nenhuma política pública nova, eu não teria acreditado. Eu achava que pelo menos alguma coisa para combater a criminalid­ade, alguma coisa de ciência e tecnologia com os militares, Bolsonaro teria feito. Foi o contrário: mandou os militares ignorarem a ciência e escolheu a política de segurança que lhe daria menos trabalho: a liberação de armas.

Enquanto a Covid-19 matava, Bolsonaro planejava o golpe de 7 de Setembro. Enquanto os preços disparavam, Bolsonaro soltava Daniel Silveira. Se não for para dar golpe, o Jair não sai da cama. O golpe é para livrar Bolsonaro de gente lhe mandando trabalhar, lhe mandando governar.

Nesse sentido, Lula e Alckmin são o oposto de Bolsonaro. Ambos foram governante­s muito bem avaliados. Quando ganharam eleições, governaram. Entregaram resultados. Se qualquer um dos dois tivesse sido eleito em 2018, hoje haveria um mínimo de 100 mil brasileiro­s a mais.

O pessoal mais ligado ao mercado reclamou que os discursos de sábado não incluíram sinalizaçõ­es de ortodoxia econômica. Os incentivos eleitorais não jogam muito a favor disso: Bolsonaro não venceu por seu discurso econômico, como FHC tinha vencido. Não é claro que o eleitor que Lula quer retomar de Bolsonaro se impression­e com, digamos, a indicação de um economista ortodoxo para a Fazenda. Minha sugestão para o mercado é a seguinte: mobilizem seus quadros intelectua­is e entreguem para Lula (ou para Alckmin) uma lista de medidas que melhorem a vida da classe C, D e E sem desorganiz­ar as contas públicas.

Isso, sim, impression­aria Lula.

Os petistas gostaram do discurso de Alckmin, que foi muito bom. Aos poucos, os petistas vão conhecendo Alckmin sem a névoa da guerra política na frente. O ex-governador de São Paulo fez suas próprias críticas a Bolsonaro e ressaltou a importânci­a de deixar as diferenças de lado pela democracia.

A prioridade é mesmo preservar a democracia, mas repito o que disse na minha primeira coluna sobre a chapa: não precisa ser só isso. Tem muita coisa para a chapa Lula com Chuchu fazer na política educaciona­l, na reforma tributária, na área ambiental. E talvez surjam novas soluções. Estamos há quase 50 anos sem um projeto de desenvolvi­mento de longo prazo. Essa é uma boa hora para descobrir se foi por falta de diálogo.

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