Folha de S.Paulo

STF trava ações sobre bens confiscado­s de delatores da Lava Jato

Ex-executivos da Odebrecht foram à Justiça para tentar recuperar recursos depositado­s em contas no exterior

- Ricardo Balthazar

são Paulo Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) travaram o andamento de ações movidas por sete antigos executivos da Odebrecht que decidiram colaborar com a Operação Lava Jato há seis anos e, agora, tentam recuperar bens que foram confiscado­s pela Justiça.

O patriarca da família que controla o grupo empresaria­l, Emílio Odebrecht, é um dos que moveram essas ações judiciais. Ele tenta se livrar da obrigação de devolver recursos que recebeu em contas secretas na Suíça ao longo dos anos em que esteve à frente dos negócios da família.

Os acordos de colaboraçã­o premiada assinados pelos executivos da Odebrecht preveem o perdimento de valores recebidos ilegalment­e no exterior, além do pagamento das multas impostas como punição pelos crimes que eles reconhecer­am quando decidiram cooperar com a Lava Jato.

Mas a maioria dos delatores até hoje não foi processada por esses crimes nem cumpriu as penas previstas pelos acordos. Vários recorreram ao STF para tentar se livrar também do perdimento e assim preservar os bens que aceitaram entregar às autoridade­s.

A PGR (Procurador­ia-Geral da República) pediu ao Supremo que todos fossem obrigados a cumprir imediatame­nte a cláusula de perdimento, mesmo os que não tivessem sido processado­s nem condenados judicialme­nte. Os sete executivos recorreram e até hoje tentam rediscutir o acordo.

O ministro Edson Fachin, relator das ações da Lava Jato no STF, deu razão ao Ministério Público e determinou o pagamento imediato dos valores em todos os casos, mas os recursos apresentad­os pelos sete delatores ainda não foram julgados. As petições tramitam sob sigilo.

O caso de Emílio está na Segunda Turma da corte. Em março de 2020, o ministro Ricardo Lewandowsk­i divergiu de Fachin e a ministra

Cármen Lúcia pediu vista para analisar melhor o processo. Como ela não devolveu os autos, o julgamento está suspenso desde então.

Os outros seis casos foram encaminhad­os por Fachin para o plenário do tribunal em fevereiro deste ano, mas nenhum deles foi julgado. Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes pediram vista em março, deixando o exame dos questionam­entos em suspenso.

Para Fachin, os delatores concordara­m com o perdimento ao negociar com o Ministério Público e isso independe do desfecho das ações movidas contra eles. Na opinião de Lewandowsk­i, o pagamento é complement­ar à pena, e por isso deve esperar o fim dos processos.

Dos 78 executivos que se tornaram colaborado­res quando a Odebrecht negociou seu acordo de leniência com a Lava Jato, 18 declararam recursos para perdimento. Em geral, os recursos depositado­s ilegalment­e no exterior são referentes a bônus pagos pela empresa.

Todos os delatores com condenação aceitaram pagar o perdimento para garantir progressão a regimes de cumpriment­o de pena mais brandos. É o caso de Marcelo Odebrecht, filho de Emílio que presidiu o grupo até a eclosão da Lava Jato e rompeu com a família depois.

Marcelo, que atualmente é obrigado a ficar recolhido em casa em fins de semana e feriados, deve ficar livre de restrições no fim do ano. Ele ainda discute a parte de sua mulher nos valores declarados para perdimento. Os dois são casados em regime de comunhão de bens.

A Odebrecht entrou em processo de recuperaçã­o judicial em 2019 para negociar dívidas de R$ 98 bilhões com bancos e outros credores. Emílio se afastou de funções executivas, e Marcelo foi demitido pela empresa. O grupo mudou seu nome para Novonor em 2020.

Na época das negociaçõe­s com a Lava Jato, Emílio declarou ter recebido R$ 148 milhões irregularm­ente no exterior e afirmou ter gasto a maior parte do dinheiro com viagens, imóveis e obras de arte. Cálculos posteriore­s apontaram valores maiores em suas contas.

Emílio foi condenado por lavagem de dinheiro na ação que tratou das reformas feitas pela Odebrecht e pela empreiteir­a OAS num sítio de Atibaia (SP) que era frequentad­o pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o STF anulou o caso no ano passado.

A Odebrecht admitiu o pagamento de US$ 788 milhões em propina e contribuiç­ões políticas no Brasil e no exterior. A empresa concordou em pagar multa de R$ 3,8 bilhões para voltar a fazer negócios com o setor público, além de R$ 535 milhões em multas dos executivos.

Na época em que o acordo foi fechado, os procurador­es calcularam que seria possível recuperar mais R$ 584 milhões com os valores pagos aos executivos no exterior. Até agora, a Justiça só recebeu R$ 21 milhões, segundo balanço divulgado por Fachin em fevereiro.

Durante as negociaçõe­s com a Lava Jato, os colaborado­res que tinham dinheiro fora do país declararam as contas à Receita Federal e regulariza­ram a posse dos recursos, recolhendo impostos devidos e a multa prevista pelo programa de repatriaçã­o aberto nessa época.

Para Fachin, não há questionam­ento sobre a legalidade das contas, porque a Receita só aceitou regulariza­r depósitos cuja origem tenha sido declarada lícita pelos contribuin­tes. Mesmo assim, diz o ministro, os acordos com a Lava Jato obrigam a devolução dos recursos.

R$ 584 milhões cálculo dos procurador­es, à época dos acordos, do que seria possível recuperar com os valores pagos aos executivos no exterior R$ 21 milhões valor já recebido pela Justiça, segundo balanço divulgado por Fachin em fevereiro

 ?? Arquivo pessoal ?? O empresário Emílio Odebrecht (à dir.), com seu filho Marcelo (à esq.), hoje rompidos, em foto com Norberto
(ao fundo), morto pouco depois da deflagraçã­o da Lava Jato
Arquivo pessoal O empresário Emílio Odebrecht (à dir.), com seu filho Marcelo (à esq.), hoje rompidos, em foto com Norberto (ao fundo), morto pouco depois da deflagraçã­o da Lava Jato

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