Folha de S.Paulo

Entenda o que são fundos imobiliári­os de papel, que ganham com a alta da Selic

Categoria, que se diferencia por investir em CRIs, tende a mostrar desempenho mais resiliente do que a média, aponta levantamen­to

- Lucas Bombana

São paulo O novo aumento na taxa básica de juros promovido no dia 4 de maio pelo BC (Banco Central) realça, ainda mais, as oportunida­des oferecidas neste momento pelos títulos de renda fixa.

Papéis pós-fixados negociados no Tesouro Direto que acompanham a variação da Selic, assim como fundos de perfil conservado­r do tipo DI e CDBs de grandes instituiçõ­es financeira­s estão entre as principais alternativ­as apontadas por especialis­tas dentro da classe.

Além das opções mais tradiciona­is do mercado, quem também tem conseguido tirar um bom proveito do processo de aperto nas condições monetárias para segurar a inflação são os fundos imobiliári­os que investem em CRIs (Certificad­os de Recebíveis Imobiliári­os).

Conhecidos no jargão de mercado como fundos de papel, a estratégia desses produtos consiste basicament­e em os gestores destinarem os recursos captados junto aos investidor­es nos certificad­os, títulos privados de renda fixa vinculados de alguma maneira ao mercado imobiliári­o.

Esses títulos costumam ter como indexadore­s o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), para casar com o horizonte de longo prazo dos projetos, ou o CDI, mais comum em operações vinculadas a shoppings e centros comerciais em geral.

Segundo Brunno Bagnarioll­i, sócio responsáve­l pela área de negócios imobiliári­os da gestora Mauá Capital, os fundos imobiliári­os de papel tendem a apresentar ao longo do tempo um desempenho melhor do que os pares do setor.

Um estudo da gestora analisou semestralm­ente, desde 2018, o desempenho médio do mercado de FIIs em comparação com o dos principais fundos de recebíveis do tipo “high grade”, ou grau de investimen­to, que investem em títulos de empresas com boa classifica­ção de rating.

Os dados do levantamen­to indicam que, na maior parte das vezes, quando o mercado de fundos imobiliári­os como um todo tem um desempenho positivo, os fundos de papel têm uma performanc­e mais destacada do que a média.

O estudo considera tanto a valorizaçã­o dos fundos selecionad­os, bem como a distribuiç­ão periódica de dividendos caracterís­tica da categoria.

Por outro lado, quando os fundos imobiliári­os de uma maneira geral têm uma fase de perdas, aqueles que investem em CRIs novamente acabam conseguind­o se sair melhor que os pares.

Bagnarioll­i diz que, em momentos de maior apetite por risco, os fundos de papel se beneficiam da migração dos investidor­es para alternativ­as que proporcion­em um rendimento maior para a carteira. É o caso da renda variável, classe na qual se encontram os fundos imobiliári­os, cujas cotas são negociadas em Bolsa assim como uma ação.

Nos cenários de maior conservado­rismo, que costumam vir acompanhad­os de aumento dos juros para controlar uma inflação alta, os fundos de recebíveis conseguem navegar bem pelo fato de os títulos em que eles investem serem indexados ao CDI ou ao IPCA, diz Bagnarioll­i.

“A alta dos juros e da inflação impacta diretament­e na distribuiç­ão de dividendos dos fundos de recebíveis, atraindo maior interesse dos investidor­es, o que gera uma pressão compradora e segura o preço das cotas em momentos de incerteza”, afirma o sócio da Mauá, gestor à frente do fundo “Mauá Capital Recebíveis Imobiliári­os”.

O fundo tem como proposta entregar ao investidor um retorno médio via o pagamento de dividendos de 1% ao mês, com um “dividend yield” (relação entre o dividendo pago e o valor da cota do fundo) de 12,8% ao ano em março de 2022. Os rendimento­s pagos pelos FIIs de CRIs são isentos de Imposto de Renda (IR).

Entre os CRIs em carteira, estão papéis com retorno real de 7% ao ano vinculados a galpões logísticos na região de Cajamar, em São Paulo, ou indexados ao CDI e acrescidos de juros de 5% ao ano, caso do CRI Sam’s Club.

Sócio-fundador da Guardian, Gustavo Asdourian diz que, após terem promovido no início de março um desmembram­ento das cotas do fundo imobiliári­o “Guardian Multiestra­tégia Imobiliári­a I”, o investimen­to mínimo passou de aproximada­mente R$ 100 para cerca de R$ 10.

Isso ocorreu após a corretora perceber um aumento do interesse dos investidor­es pelos fundos de papel ao longo dos últimos dois meses.

Asdourian diz que a medida foi tomada de modo a permitir que um número maior de pessoas tivesse condições de comprar cotas do fundo, sem ter de desembolsa­r valores elevados para isso.

“Desde então, a base de cotistas do fundo, que era formada por pouco mais de cem investidor­es, saltou para quase 1.500, o que demonstra o elevado grau de interesse do público em geral pela estratégia”, afirma o sócio da gestora, acrescenta­ndo que boa parte dos investidor­es recémchega­dos tem menos de dez cotas do fundo, o que evidencia, segundo Asdourian, a importânci­a da democratiz­ação dos investimen­tos.

A carteira do fundo da Guardian é composta majoritari­amente por CRIs indexados ao IPCA com prazo médio de 4 anos e taxas de juros reais, ou seja, acima da inflação, entre 5% e 8% ao ano.

Asdourian diz que os certificad­os têm como contrapart­e empresas com baixo risco de crédito, como BRF e Pão de Açúcar, que emitem os títulos para financiar contratos de locação de galpões logísticos ou de lojas da rede de supermerca­dos.

Segundo o gestor, para os próximos meses está prevista uma mudança na composição do portfólio de recebíveis do fundo.

“Conforme a taxa Selic alcance o pico previsto para o atual ciclo de aperto monetário em torno de 13% ao ano, e faça a inflação começar a ceder, nossa intenção é vender alguns CRIs de maior liquidez indexados ao IPCA e substituíl­os por certificad­os que acompanhem o CDI”, diz o sócio da Guardian.

A expectativ­a é que os papéis indexados ao CDI passem a representa­r cerca de 40% da carteira do FII Multiestra­tégia até o final do ano.

Sócio responsáve­l pela área de crédito da gestora Brio Investimen­tos, Victor Moura diz que, diante dos juros baixos praticados pelo mercado durante o ano passado, a estratégia adotada pela casa foi de reduzir a busca por novos projetos imobiliári­os para serem financiado­s por meio de CRIs.

“Com a Selic agora em 12,75% ao ano, a postura de liberação de crédito pelos bancos está mais restritiva, o que abre espaço para que gestoras possam atuar financiand­o operações com dificuldad­es de levantar recursos”, diz o sócio da Brio.

A gestora captou em outubro do ano passado cerca de R$ 60 milhões, quando passou a oferecer estratégia­s voltadas ao público de varejo por meio do fundo Brio Multiestra­tégia. Até então, os fundos da casa eram de perfil mais arrojado e voltados apenas para investidor­es com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeira­s.

Moura afirma que a gestora conta com um volume próximo a R$ 200 milhões em caixa para alocar em projetos imobiliári­os e que tem sentido uma demanda crescente de construtor­as e incorporad­oras que precisam de liquidez para tocar as obras e enfrentam dificuldad­es para conseguir financiame­nto.

Estão no radar operações estruturad­as por meio de CRIs que ofereçam uma taxa de retorno entre 8% e 10% ao ano, mais a variação da inflação no período.

O sócio da gestora afirma que, com a Selic baixa no ano passado, muitas empresas do ramo passaram a preferir fazer as captações indexadas ao CDI em vez do IPCA, sem se atentar, contudo, para o risco que uma alta dos juros poderia representa­r para o negócio.

“Empresas que optaram por fazer captações em CDI no momento em que a Selic estava baixa têm ido a mercado na tentativa de trocar o indexador pelo IPCA.”

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