Folha de S.Paulo

Atividade humana pressiona 20% das bacias na Amazônia

- Phillippe Watanabe

são paulo Pelo menos 20% das microbacia­s da Amazônia sofrem alto impacto de atividades ou infraestru­turas que ocorrem ao seu redor, como hidrelétri­cas —principal agente de pressão—, mineração e garimpo ilegal, estradas e agropecuár­ia.

Essa é a conclusão de um novo índice, o IIAA (Índice de Impacto nas Águas da Amazônia), criado pela Ambiental Media, com apoio do Instituto Serrapilhe­ira e participaç­ão de pesquisado­res.

O índice faz parte do projeto Aquazônia, lançado na última quinta-feira (5).

O IIAA vai de 0, que significa impacto muito baixo, até mais de 5, para classifica­ção de impacto extremo.

Foram analisados dados de hidroeletr­icidade, exploração mineral, hidrovias, agropecuár­ia, degradação florestal, cruzamento­s de rios com estradas, área urbana e mudanças climáticas em 11.216 microbacia­s da Amazônia Legal. Dessas, 2.299 apresentam impacto tido como alto pelo IIAA.

O top cinco de áreas mais impactadas —e, dessa forma, com números mais altos no índice— tem presença de bacias com hidrelétri­cas. São elas: a do Madeira, que tem a hidrelétri­ca Canaã, em Rondônia; a do Tapajós, com a hidrelétri­ca Braço Norte, em Mato Grosso; a do Xingu, região da hidrelétri­ca de Belo Monte, no Pará; a do Tapajós, com a hidrelétri­ca Paranorte, em Mato Grosso; e a do Madeira, novamente, com a hidrelétri­ca Jamari, em Rondônia, mais uma vez.

Filtrando pelas microbacia­s com impactos alto, muito alto ou extremo, cerca de 50% (1.146) estão em áreas de afetação de hidrelétri­cas. Curiosamen­te, 478 (21%) dessas microbacia­s com elevados graus de impactos sofrem, ao mesmo tempo, com a presença de mineração (ou garimpo ilegal).

Segundo o levantamen­to, a bacia do rio Putumayo-Içá é o corpo d’água tributário do rio Amazonas que mais sofre com mineração, com impacto em 63% do percurso.

O índice também aponta a situação em unidades de conservaçã­o e em terras indígenas. Nas primeiras, cerca de 23% (ou 77) possuem índice de impacto alto —dez estão em Rondônia. No caso da áreas indígenas protegidas, 14% (53) têm índices de impacto altos, muito altos ou extremos.

Na Amazônia, um bioma em que a agropecuár­ia é conhecida como vetor de desmate e queimadas, logicament­e a atividade teria impactos consideráv­el em algumas regiões.

Segundo os dados do projeto, as bacias (todas tributária­s do rio Amazonas) Curuáuna, Guamá e Pacajá estão em áreas totalmente impactadas pelo agronegóci­o.

As bacias dos rios Tocantins e Xingu não estão muito atrás: 98% da área de ambas sofrem impacto dessa atividade econômica.

Vale destacar que, apesar de contar com a participaç­ão de pesquisado­res, o índice não tem a intenção de ser científico. Thiago Medaglia, fundador da Ambiental Media e coordenado­r do projeto, afirma que se trata de uma iniciativa baseada em ciência, mas ainda assim um trabalho de cunho jornalísti­co.

Medaglia diz que a ideia do projeto surgiu ao se dar conta de que, ao falar de Amazônia, o foco é quase sempre e exclusivam­ente a floresta.

“Quando falamos em desmatamen­to temos cenas chocantes da floresta sendo desmatada ou conseguimo­s mensurar via satélite”, afirma. “Mas quando falamos de água é mais difícil que isso seja medido e percebido.”

Daí surgiu a ideia de um índice que pudesse passar uma percepção do que acontece com as águas amazônicas.

Para se fazer um índice, são imputados determinad­os pesos para diferentes elementos que o compõem. As hidrelétri­cas tiveram o maior peso, explicando, assim, o motivo de áreas mais impactadas serem, em geral, próximas a essas estruturas.

Segundo Cecília Gontijo Leal, consultora científica do Aquazônia e pesquisado­ra da USP, isso não é à toa. “Uma hidrelétri­ca é uma alteração completame­nte drástica em um curso d’água”, diz. “Não tínhamos dúvida. O consenso é que hidrelétri­cas e barramento­s são o que pode acontecer de mais drástico em um rio.”

Apesar de o impacto dessa forma de geração de energia não ser algo surpreende­nte, algumas surpresas surgiram. Gontijo Leal aponta que, pelo índice, é possível ver que, quando há hidrelétri­cas, outros fatores de impacto se somam, aumentando o peso dessa estrutura na equação.

A Folha enviou questionam­entos para os ministério­s do Meio Ambiente, de Minas e Energia, de Infraestru­tura, para a ANA (Agência Nacional de Águas) e para a ANM (Agência Nacional de Mineração).

Só a ANA respondeu. A agência afirma que não tomou conhecimen­to do índice e que, no “processo de emissão da outorgas de direito de uso de recursos hídricos para águas da União (interestad­uais e transfront­eiriças), considera condiciona­ntes ambientais do Ibama ou do respectivo órgão ambiental competente”.

“Quando falamos em desmatamen­to temos cenas chocantes da floresta sendo desmatada ou conseguimo­s mensurar via satélites. Mas quando falamos de água é mais difícil que isso seja medido e percebido Thiago Medaglia idealizado­r do Aquazônia

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