Folha de S.Paulo

Ambiente familiar concentra casos de gordofobia, aponta levantamen­to

- Patrícia Pasquini

São paulo Um levantamen­to da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinol­ogia e Metabologi­a) e da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) mostra que 85,3% dos participan­tes dizem ter sofrido preconceit­o por causa do peso.

Realizado de forma online em fevereiro deste ano, o trabalho teve a participaç­ão de 3.621 pessoas entre 18 e 82 anos de idade, 88% delas com excesso de peso.

É no ambiente familiar onde as pessoas relatam mais episódios de gordofobia (72%). Em seguida, aparecem lojas e comércio em geral (65,5%), por parte de amigos (63%), consultóri­o médico (60,4%) e trabalho (54,7%).

A jornalista Andrea Mesquita, 50, encontrou nas lojas online especializ­adas em moda plus size uma maneira de fugir da gordofobia.

“Essas situações de você entrar numa loja, a vendedora não te atender bem e falar ‘não vendemos roupas para o seu tamanho’, como se eu pesasse 350 quilos, já passei milhões de vezes na vida. É gritante a diferença entre o atendiment­o a uma pessoa magra e a uma gorda.”

Aos quatro meses de vida, Andrea estava quatro quilos acima do peso. Aos 31 anos, teve câncer de mama pela primeira vez e, cinco anos depois, a doença voltou. Chegou a engordar 35 quilos. Com 1,60 m, alcançou 115 quilos. Hoje, está 30 quilos acima do peso.

“Não vejo tanto preconceit­o com homens gordos, diferentem­ente da mulher. E, quando chega aos 50 anos, como eu, e não casou, é pior”, diz Mesquita. Ela afirma “estar de bem com o seu corpo”, mas tem consciênci­a de que precisa emagrecer devido aos problemas na coluna.

“Hoje, eu me acho bonita, uso roupas que não usava antes, não tenho problemas em sair. Costumo dizer que o câncer de mama foi libertador porque me fez entender que há coisas mais importante­s.”

A endocrinol­ogista Maria Edna de Melo, presidente do Departamen­to de Obesidade da Sbem, diz que o preconceit­o pode piorar o problema da obesidade, uma vez que quase 30% das pessoas com sobrepeso importante acreditam serem culpadas por aquela condição e não buscam ajuda profission­al.

Ela também comenta a gordofobia médica, citada na pesquisa. “Existe uma responsabi­lização do paciente pela doença que ele tem. É comum falar: ‘perde aí 20 quilos e volte para conversarm­os’. Se ele conseguiss­e perder 20 quilos, provavelme­nte não estaria naquele médico”.

“A sociedade também acha que quem tem obesidade é porque quer”, acrescenta ela.

Segundo Maria Helena Fernandes, psicanalis­ta do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, e autora do livro “Transtorno­s Alimentare­s: Anorexia e Bulimia” (Casa do Psicólogo, 2006), o ideal de magreza gera uma espécie de tirania que incide sobre o corpo feminino.

“O grande responsáve­l pela gordofobia é esse ideal de corpo magro, que está associado ao sucesso e faz com que as mulheres acima do peso sofram discrimina­ção, preconceit­o, falta de reconhecim­ento e até rejeição no ambiente familiar e de trabalho”, afirma.

Para a psicanalis­ta, a ação coletiva é muito importante para a quebra de paradigmas de padrões. “É preciso que as mulheres digam que não vão se submeter ao imperativo do corpo magro. A sociedade precisa se posicionar também, e é a voz das mulheres que vai permitir isso”, ressalta Fernandes.

Bastam cinco minutos de conversa com a influencia­dora Renata Poskus, 40, para perceber quanto ela está bem resolvida em relação ao seu corpo.

A paulistana é uma das referência­s no combate à gordofobia. Ela é escritora, jornalista, consultora de moda, empresária, modelo plus size e criadora do blog Mulherão.

Poskus diz acreditar que a cobrança estética em cima da mulher é muito maior, independen­temente de ser magra ou gorda. “O homem gordo é o bonachão, o cara legal que todo mundo chama para o churrasco.”

Renata foi uma criança e adolescent­e magra. Bailarina clássica, aos 17 anos, com 1,72 m e 60 quilos, a professora de dança dizia que ela não iria se formar por ser gorda.

“Quando fui reprovada no balé, eu falei ‘sou um lixo, sou gorda’. Não arrumava namorado porque dizia que era indigna de namorar. Fui arrumar meu primeiro namorado com 20 e poucos anos”, relata.

Aos 20 anos, Poskus perdeu a mãe com embolia pulmonar. “Indo do velório para a cremação, minha tia falou: ‘a gente não tem que sofrer, porque ela quis isso. Ela se matou. Sabia que era gorda e poderia morrer a qualquer momento’. Minha mãe tinha 40 anos e o mesmo peso que tenho hoje. O que aconteceu com ela poderia ter ocorrido com qualquer pessoa.”

A influencia­dora diz ser feliz com o seu corpo. E, hoje, é uma fonte de conselhos e informaçõe­s para as mulheres que a procuram.

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Karime Xavier/Folhapress Renata Poskus, 40, é modelo plus size e criadora do blog Mulherão

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