Há 30 anos, mudança na regra deu função nova aos goleiros
Em decisão tomada em 1992, International Board proibiu o uso das mãos no recuo de bola e revolucionou a posição
são paulo Em 1992, a Dinamarca surpreendeu ao conquistar a Eurocopa. Na decisão, derrotou a poderosa Alemanha, então campeã mundial, por 2 a 0. Em cinco jogos, a equipe marcou seis gols. Não fazia jus ao apelido pelo qual era conhecida, a “Dinamáquina”. Era sólida, evitava riscos. Tanto que, na final, recuou a bola para o goleiro Schmeichel cinco vezes nos dois primeiros minutos.
Pouco mais de um mês depois, seria a vez de a Espanha festejar um título, a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Barcelona. A seleção fez 14 gols em seis partidas.
Para além da qualidade dos jogadores dinamarqueses e espanhóis, essa diferença ofensiva já começava a refletir uma mudança no futebol ocorrida entre os dois torneios: a proibição de o goleiro pegar a bola com as mãos após o recuo deliberado de um companheiro.
A nova regra foi instituída pela International Board com o objetivo de dar mais dinâmica aos jogos e evitar a cera das defesas. Antes dessa mudança, era comum os atletas recuarem a bola para o goleiro que, com ela nas mãos, aproveitava para ganhar tempo.
Gilmar Rinaldi era um dos goleiros chamados para a seleção brasileira na época em que a regra mudou. Ele se recorda de que a adaptação foi difícil. “Antes, nós tínhamos um escape. Quando precisávamos dar uma segurada no jogo, eu lembro que o [ex-zagueiro] Oscar se aproximava e eu jogava a bola no peito dele e pegava de volta”, conta.
A mudança motivou muitos da posição a evoluírem no jogo com os pés, tornando-os uma peça a mais na construção das jogadas. A ideia não era nova no futebol.
Johan Cruyff sempre defendeu que todos os 11 jogadores deveriam desempenhar mais de uma função em campo. O primeiro goleiro que ganhou fama por essa característica foi Jan Jongbloed, parte do carrossel holandês no Mundial de 1974, na Alemanha.
Até um mês antes daquela Copa, ele tinha apenas uma convocação para a seleção. Ganharia uma chance quando Jan van Beveren se machucou na preparação para o torneio. Cruyff convenceu o técnico Rinus Michels a levar Jongbloed porque era amigo dele, mas principalmente por saber jogar com os pés.
“Ele tinha facilidade maior que os demais goleiros para jogar com os pés porque nas categorias amadoras era meiaesquerda”, conta o biógrafo Yoeri van der Busken, autor de
“Aparteling” (separação, em holandês, sem lançamento no Brasil), a biografia de Jan Jongbloed.
A escola holandesa influenciaria goleiros de vários países. Campeão do mundo com a Alemanha em 2014, Manuel Neuer tem como ídolo o também alemão Jens Lehmann, mas aponta como a sua maior referência Edwin van der Sar.
Para Walter, ex-Corinthians e atualmente no Cuiabá, no entanto, não basta apenas a iniciativa e a habilidade do goleiro para que ele possa sair jogando com os pés e ser mais participativo. “Isso depende também do time e do treinador. Tem técnico que gosta de sair com a linha mais alta, outros preferem as linhas mais baixas”, diz. “O time todo tem que estar em sintonia”.
Dos treinadores da atualidades, um dos maiores adeptos é Pep Guardiola. Para ele, o goleiro saber usar os pés é tão essencial quanto usar as mãos.
Fernando Prass, que se aposentou em 2021, sempre gostou de analisar os times montados pelo espanhol e diz que ele soube extrair o melhor da mudança da regra do recuo.
“Quando teve a mudança, muitos viram como problema, outros viram como ganho. E o mais célebre neste segundo ponto foi o Guardiola, que passou a usar o goleiro como forma de ter superioridade numérica”, disse durante o evento Fala Goleiro, promovido pela empresa Poker, uma de suas patrocinadoras.