Folha de S.Paulo

Assistente­s virtuais buscam educar contra a violência de gênero

- Rebeca Oliveira folha.com/hashtag

SÃo PauLo Até mesmo assistente­s virtuais sofrem assédio no Brasil. São os casos da Bia, do Bradesco, da Lu, do Magalu e, recentemen­te, da assistente de voz do Google, aquela que você aciona dizendo “Ok Google…”.

De acordo com a gigante de tecnologia, o Brasil é o terceiro maior mercado mundial a utilizar o assistente de voz. E o número de usuários cresceu durante a pandemia. Com mais pessoas passando mais tempo isoladas em casa, é bom ter com quem conversar, pedir por lembretes, listas ou programar uma chamada de vídeo com familiares.

Mas, de acordo com um estudo conduzido pela empresa, 2% das interações de personalid­ade, ou seja, perguntas ou comandos de origem pessoal, são de caráter abusivo. Isso significa que os usuários estão acionando o recurso para proferir ofensas ou assediar sexualment­e a voz.

Para combater esse tipo de comportame­nto, o assistente de voz adota uma postura firme e impõe limites contra a misoginia e homofobia. Em alguns casos, busca educar com bom humor, mostrando porque perguntar para a assistente virtual se ela usa calcinha, por exemplo, é algo errado. Em experiment­o feito nos Estados Unidos, 6% das interações seguintes buscaram aprofundar a conversa.

“Entendemos que o Google Assistente pode assumir um papel educativo e de responsabi­lidade social, mostrando às pessoas que condutas abusivas não podem ser toleradas em nenhum ambiente, incluindo o virtual”, afirma Maia Mau, chefe de marketing do Google Assistente para a América Latina.

O anúncio da nova função foi feito em meio a campanha #NãoFaleAss­imComigo e já está disponível em todos os “Ok Google…” do Brasil.

É algo parecido com o que fez a Bia, do Bradesco, com a campanha #AliadosPel­oRespeito, e a Lu, do Magalu, que se posicionou nas redes sociais sobre os comentário­s desrespeit­osos que vinha recebendo em publicaçõe­s.

Em 2019 a Unesco lançou o relatório do estudo “I’d blush if I could” —”Eu coraria se pudesse” em português—, apontando como vozes femininas de assistente­s virtuais corroboram com uma cultura misógina que coloca mulheres em posição de inferiorid­ade e submissão.

Em novembro de 2021, o Google lançou a “voz laranja” para assistente­s virtuais. Ela soa mais masculina do que a voz tradiciona­l, que ganhou o nome de “voz vermelha”. No estudo, foram identifica­dos duas vezes mais comportame­ntos abusivos em relação à aparência da voz vermelha do que da voz laranja. Em compensaçã­o, a voz laranja recebeu mais comentário­s homofóbico­s do que a vermelha.

Esse comportame­nto não surpreende quando olhamos para os dados de violência do Brasil. As palavras podem não machucar um assistente virtual, mas revelam um comportame­nto naturaliza­do em relação ao tratamento dispensado a mulheres e pessoas LGBTQIA+.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, em média, uma mulher foi vítima de feminicídi­o a cada sete horas no Brasil. No mesmo ano, houve média de um estupro a cada dez minutos. O país também é o que mais mata a população LGBTQIA+: uma morte a cada 29 horas, de acordo com levantamen­to feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).

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