Folha de S.Paulo

Cientistas explicam por que Vênus tem rotação ultralenta e retrógrada

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

Visto de longe, como se fosse um exoplaneta, dos quais normalment­e só se sabe a massa e o diâmetro, Vênus é “similar à Terra”. Como somos vizinhos dele, sabemos que ele é tudo menos isso. Embora tenha tamanho e composição básica similar, além de nível de incidência de radiação solar comparável, ele é um “gêmeo mau” do nosso planeta, uma estufa ultraquent­e, seca e inabitável. E uma diferença notável entre os dois é que Vênus tem uma rotação extremamen­te lenta —fato que finalmente começa a ser compreendi­do pelos cientistas.

Como regra geral, os planetas de um sistema giram em torno de seu eixo todos na mesma direção, e, quanto maiores, mais depressa. Na família solar, três deles destoam: Urano, que tem seu eixo de rotação praticamen­te “deitado” (ou seja, com os pólos na direção do Sol), Mercúrio, que tem sua rotação gravitacio­nalmente travada pela gravidade solar e completa duas revoluções a cada três voltas no próprio eixo, e Vênus, que tem rotação mais longa que a translação e no sentido horário, contrário ao dos demais planetas.

Mercúrio é o mais fácil de entender: a combinação do achatament­o de sua órbita com o efeito de maré do Sol produziu o travamento 2:3. Quanto a Vênus e Urano, durante muito tempo especulous­e que talvez uma colisão gigante com outro corpo celeste, nos primórdios de sua formação, explicasse o comportame­nto. Agora, ao menos para Vênus, uma alternativ­a se revela mais provável.

De acordo com Stephen Kane, cientista planetário da Universida­de da Califórnia em Riverside, o planeta foi quase travado gravitacio­nalmente pelo Sol num padrão 1:1 (cada volta em torno de si acompanha uma revolução solar), e aí a interação com sua espessa atmosfera (que é praticamen­te cem vezes mais densa que a da Terra e gira bem mais depressa que o próprio planeta) deulhe uma ligeira rotação retrógrada, de 243 dias terrestres, mais que os 225 dias que leva para circundar o Sol.

Com esse padrão de movimento peculiar, Vênus perdeu praticamen­te toda a água que tinha em sua formação e se tornou um deserto, com um efeito estufa de dióxido de carbono que mantém a superfície a 460°C.

Como apontou Kane em artigo publicado na Nature Astronomy, há interesse crescente em compreende­r como Vênus evoluiu para seu estado atual. Isso porque muitos dos exoplaneta­s “terrestres” descoberto­s nos últimos anos, que agora estamos para estudar mais detidament­e com equipament­os como o Telescópio Espacial James Webb, têm potencial para ser muito mais parecidos com Vênus que com nosso planeta.

“Vênus oferece a promessa de dados locais que nunca teremos de um exoplaneta”, diz o pesquisado­r. “A oportunida­de de aplicar um modelo detalhado do clima de Vênus a outros mundos não só é atraente como também é um passo necessário na busca por caracteriz­ar análogos do gêmeo da Terra ao redor de outras estrelas.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil