Folha de S.Paulo

Dicionário faz genealogia de termos da direita

Pesquisa mapeia origens e significad­os de expressões usadas por conservado­res, como racismo reverso e cristofobi­a

- João Perassolo

São paulo Segundo a definição do dicionário, patriota é alguém que ama e serve seu país. Mas no Brasil do governo Bolsonaro, esta definição passou também a designar quem ameaça instituiçõ­es democrátic­as, pede o fechamento do Supremo Tribunal Federal e clama por intervençã­o militar, diz um pequeno dicionário ilustrado lançado agora.

Ali, a explicação sobre o alargament­o de sentido da palavra se junta a outras, sobre expressões e termos que passaram a circular no Brasil e fora dele na última década com a ascensão da direita ao poder, usados quase sempre de forma acusatória.

Intitulado “Termos Ambíguos do Debate Político Atual: Pequeno Dicionário que Você Não Sabia que Existia”, a publicação é uma parceria da sociedade civil com pesquisado­res da Universida­de Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, apresentad­a em duas versões com downloads gratuitos — uma voltada a quem tem ensino superior e outra, de leitura mais fácil, destinada a quem está no ensino médio.

O dicionário tem um viés progressis­ta. Mas os pesquisado­res afirmam terem levado os termos a sério, como fenômenos a serem estudados, na tentativa de estabelece­r um diálogo com quem usa essas expressões, e não excluir essas pessoas do debate.

Ideologia de gênero, politicame­nte correto, marxismo cultural, cristofobi­a e racismo reverso são outros verbetes explorados, em textos que contam a história de como surgiram e evoluíram no tempo e a maneira como penetraram no debate público.

“Essas categorias acusatória­s são parte do repertório político e ideológico da direita”, afirma Sonia Corrêa, uma das organizado­ras do volume.

Segundo ela, que é especialis­ta em gênero e sexualidad­e, o léxico do que chama de “revolução conservado­ra” é uma invenção muito sofisticad­a, que serve como instrument­o de mobilizaçã­o de sentimento­s para incitar o conservado­rismo na sociedade.

Para o linguista Rodrigo Borba, outro dos organizado­res, a estratégia da direita é capturar palavras e torná-las dela, fazendo os novos sentidos que imprimem em um termo circularem mais facilmente. Ele afirma que o léxico conservado­r é esquemátic­o, reproduzid­o com pouco questionam­ento pela imprensa e às vezes até mal compreendi­do por políticos.

O linguista lembra ainda que as palavras escolhidas pela direita são sempre consagrada­s, já sedimentad­as na linguagem e dotadas de certa autoridade social. Além disso, os discursos de personalid­ades como a do próprio Bolsonaro são facilmente compreensí­veis.

Ele, aliás, foi um dos grandes responsáve­is por pôr alguns dos termos citados no dicionário ilustrado em circulação nas eleições de 2018, momento que os pesquisado­res consideram chave para a explosão do léxico dos conservado­res. Este deve voltar com força no pleito deste ano.

Termos Ambíguos do Debate Político Atual

Autor: Sonia Corrêa (org.) e outros. Grátis (72 págs.). Disponível em sxpolitics.org/pequenodic­ionario

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Reprodução Ilustração de Carol Ito para o dicionário ilustrado ‘Termos Ambíguos do Debate Político Atual’

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