Dicionário faz genealogia de termos da direita
Pesquisa mapeia origens e significados de expressões usadas por conservadores, como racismo reverso e cristofobia
São paulo Segundo a definição do dicionário, patriota é alguém que ama e serve seu país. Mas no Brasil do governo Bolsonaro, esta definição passou também a designar quem ameaça instituições democráticas, pede o fechamento do Supremo Tribunal Federal e clama por intervenção militar, diz um pequeno dicionário ilustrado lançado agora.
Ali, a explicação sobre o alargamento de sentido da palavra se junta a outras, sobre expressões e termos que passaram a circular no Brasil e fora dele na última década com a ascensão da direita ao poder, usados quase sempre de forma acusatória.
Intitulado “Termos Ambíguos do Debate Político Atual: Pequeno Dicionário que Você Não Sabia que Existia”, a publicação é uma parceria da sociedade civil com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, apresentada em duas versões com downloads gratuitos — uma voltada a quem tem ensino superior e outra, de leitura mais fácil, destinada a quem está no ensino médio.
O dicionário tem um viés progressista. Mas os pesquisadores afirmam terem levado os termos a sério, como fenômenos a serem estudados, na tentativa de estabelecer um diálogo com quem usa essas expressões, e não excluir essas pessoas do debate.
Ideologia de gênero, politicamente correto, marxismo cultural, cristofobia e racismo reverso são outros verbetes explorados, em textos que contam a história de como surgiram e evoluíram no tempo e a maneira como penetraram no debate público.
“Essas categorias acusatórias são parte do repertório político e ideológico da direita”, afirma Sonia Corrêa, uma das organizadoras do volume.
Segundo ela, que é especialista em gênero e sexualidade, o léxico do que chama de “revolução conservadora” é uma invenção muito sofisticada, que serve como instrumento de mobilização de sentimentos para incitar o conservadorismo na sociedade.
Para o linguista Rodrigo Borba, outro dos organizadores, a estratégia da direita é capturar palavras e torná-las dela, fazendo os novos sentidos que imprimem em um termo circularem mais facilmente. Ele afirma que o léxico conservador é esquemático, reproduzido com pouco questionamento pela imprensa e às vezes até mal compreendido por políticos.
O linguista lembra ainda que as palavras escolhidas pela direita são sempre consagradas, já sedimentadas na linguagem e dotadas de certa autoridade social. Além disso, os discursos de personalidades como a do próprio Bolsonaro são facilmente compreensíveis.
Ele, aliás, foi um dos grandes responsáveis por pôr alguns dos termos citados no dicionário ilustrado em circulação nas eleições de 2018, momento que os pesquisadores consideram chave para a explosão do léxico dos conservadores. Este deve voltar com força no pleito deste ano.
Termos Ambíguos do Debate Político Atual
Autor: Sonia Corrêa (org.) e outros. Grátis (72 págs.). Disponível em sxpolitics.org/pequenodicionario