Folha de S.Paulo

Alok faz disco com indígenas e diz que teve revelação após tomar ayahuasca

DJ se aliou a 12 etnias para produzir o álbum, que é inteiramen­te cantado em línguas originária­s

- Pedro Martins

São paulo Poucos serão capazes de compreende­r o primeiro disco de Alok, que deve ser lançado nos próximos meses. É que todas as faixas tiveram suas letras escritas em línguas indígenas, numa aliança que o DJ formou com lideranças de 12 etnias Brasil afora e o levou à primeira manifestaç­ão política de sua carreira.

O álbum, diz o DJ, é a concretiza­ção de uma mudança de percurso iniciada em 2014, quando, sofrendo de depressão e “em busca de respostas”, decidiu fazer uma visita a uma aldeia de yawanawás, no Acre, a 30 horas de São Paulo.

Lá, numa sessão de ayahuasca, veio a resposta que o levou à parceria com os indígenas, de que “o futuro é ancestral”. A união recebeu a bênção de dois pajés que o presentear­am com cocares, hoje guardados em sua casa —o DJ não se sente confortáve­l em usálos em respeito àquela cultura.

Isso foi dois anos antes do lançamento de “Hear me Now”, que o alçou ao estrelato e ainda hoje é a música brasileira mais tocada no mundo no Spotify, com 583 milhões de audições. Para termos de comparação, “Envolver”, de Anitta, teve 207 milhões.

A primeira dessas mudanças de percurso foi artística. Alok diz que o álbum, cujo título e número de faixas não estão definidos, não foi criado para se destacar nas paradas, porque, em sua visão, elas produzem hits “descartáve­is”.

“Quando visitei a primeira aldeia, estava muito preocupado em procurar uma fórmula que funcionass­e nas rádios e nos charts, enquanto os indígenas estavam fazendo músicas que curam. A partir daí, ressignifi­quei muita coisa.”

O DJ não considera que a falta de conhecimen­to do público em relação às línguas indígenas seja um entrave para a performanc­e do disco, visto que muitas músicas de sucesso, as suas entre elas, são cantadas em inglês, que a maioria da população não domina. “As pessoas não sabem o que diz a letra, mas sentem o clima.”

Ele já apresentou duas faixas do projeto no Global Citizen, um festival transmitid­o pelo YouTube que arrecada doações para o combate à pobreza mundial. Uma delas é “Sina Vaeshu”, que está entre os 130 cânticos que ele ajudou a transforma­r em NFT “para preservar a cultura oral” dos povos yawanawá, kariri-xocó, huni kuin e guarani.

A letra, cuja tradução não pode ser encontrada na internet, versa sobre um curandeiro que pede atenção aos seus ensinament­os, isto é, que brasileiro­s ouçam os indígenas.

O cântico, diz Alok, representa a segunda mudança de sua carreira, a do ativismo, que teve início em agosto, quando ele subiu num palanque em Brasília contra o marco temporal. É a tese jurídica que, se for aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, pode interrompe­r a demarcação de terras indígenas que não eram ocupadas antes de a Constituiç­ão de 1988 ser promulgada.

O que o levou à Esplanada dos Ministério­s foi o chamado de Célia Xakriabá, uma professora e ativista que roteirizou um documentár­io sobre a relação do DJ com os indígenas e os bastidores da produção do disco. O longa-metragem também deve ser lançado este ano, com produção de Marcos Nisti, da Marinha Farinha Filmes, que fez “Aruanas”.

Xakriabá, que já trabalhou com Caetano Veloso, relembra que a princípio rejeitou o convite para roteirizar o filme, mas mudou de ideia depois de se consultar com um pajé.

“Era um chamado. Fiz o roteiro não só com caneta, mas com jenipapo e urucum. Minha missão era levar o Alok para além da música. Não bastava que ele reconheces­se a força do canto. Ele tinha que ajudar a proteger o corpo e as vozes de quem canta”, diz.

A participaç­ão de Alok na manifestaç­ão detonou críticas de lideranças políticas da direita. Foi o caso do ex-deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei, que publicou um vídeo acusando o DJ de se promover em cima dos indígenas.

Alok conta que não respondeu ao vídeo por considerar que isso não seria frutífero para o debate. Ele diz que não teve medo de perder público nem seguidores nas redes sociais porque sua presença na manifestaç­ão “foi em prol dos indígenas e da humanidade como um todo”, “antes de qualquer cunho político e de quem estava por trás”.

É uma afirmação que sintetiza a maneira como Alok encara polêmicas. Envolto numa batalha judicial sob a denúncia de não creditar nem pagar os supostos autores dos hits que o alçaram ao estrelato, o DJ nega as acusações, mas prefere não comentá-las, pois correm em sigilo.

Ele também nunca declarou apoio nem criticou nenhum político. Nem mesmo Jair Bolsonaro, que é a favor do marco temporal e defende a mineração nas proximidad­es dos território­s indígenas não demarcados. Isso porque prefere estimular o público a refletir por conta própria, diz le.

“Eu mesmo tinha este olhar sobre os indígenas 15 anos atrás. A gente pensa que, para crescer economicam­ente, precisa desmatar”, diz. “Tento acreditar que o preconceit­o é por falta de conhecimen­to. São essas pessoas que eu quero conscienti­zar.”

“Tento acreditar que o preconceit­o [contra indígenas] é por falta de conhecimen­to Alok DJ

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Mila Petrillo/Divulgação Alok recebe cocar em aldeia de yawanawás, no oeste do Acre

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