Folha de S.Paulo

Dr. Eurovisão contra TikTok atômico

Ou como parei de me preocupar e aprendi a amar aquela incrível cantoria

- Bia Braune Jornalista e roteirista, é autora do livro ‘Almanaque da TV’. Escreve para a TV Globo

Imagine uma sala de controle típica de filme da Guerra Fria. Só que em vez de um painel com Washington, Moscou e mísseis teleguiado­s, o que surge no radar é uma boy band do Azerbaijão. Um vampiro rapper suíço. Uma diva barbada do pop austríaco.

Prestes a explodir feito bomba-relógio, minha cabeça inicia a contagem regressiva de uma missão quase impossível: até sábado que vem, convencer mais gente a assistir ao Eurovision comigo.

Todo ano, essa sofrência de explicar aos amigos o que é e por que gastar quatro horas da vida com a mais louca e fascinante competição musical europeia. E se é europeia, por que tem Israel e Austrália? Spoiler: nada ali fará sentido.

Realizado desde 1956, o Eurovision demonstra que a geopolític­a global poderia ser mais lúdica. Seu sistema de votos é complexo, mas obriga cada país a votar em outras nações, subvertend­o o que é costume mesmo na ONU, a Organizaçã­o das Nações Unidas.

Este ano a Rússia está fora, dando à Ucrânia chance de brilhar com o hip-hop da Kalush Orchestra. Detalhe: Verka Serduchka —a Glória Groove ucraniana— é das maiores sensações da história do evento. Quem joga a bunda agora, Putin?

“Ah, que imperialis­ta.” Ué, pense na febre dos The Voice e dos festivais internacio­nais da canção no Brasil. Temos esse apreço por certames do cancioneir­o gringo. Tanto que Caetano Veloso, estrela causante do FIC de 1968, se apresentou no Eurovision 50 anos depois, junto ao campeão português Salvador Sobral.

Além disso, quão descoloniz­ador é testemunha­r o Velho Mundo pendurado por cabos de aço, enquanto executa ao vivo números cafonérrim­os, em figurinos deliciosam­ente esdrúxulos?

O incrível nesse “hit parade” aleatório, que vai do metal finlandês ao funk lituano, passando por Joelma e Ximbinha de Belarus, é ser tão plural. O concurso lança poucos sucessos realmente mundiais, como o Abba, vencedor em 1974, e Céline Dion, em 1988, mas a banda italiana Måneskin ganhou em 2021 e já ultrapassa as fronteiras do TikTok.

Cheguei ao último parágrafo e, se não te convenci até agora, ainda assim a bomba explodirá na final de sábado. Espero que eu e Tony Goes — também fã e colunista deste jornal— consigamos criar um grupo de zap com o equivalent­e a 1/1.200 da exígua população de San Marino, que estará torcendo por um rock ostentação. Então câmbio, buuum. E desligo.

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Marcelo Martinez

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