Folha de S.Paulo

Crise é cortina de fumaça de guerra no PSDB

Rejeição à candidatur­a de Doria e apoio a Simone Tebet fazem parte de uma divisão que dura mais de duas décadas

- Igor Gielow

A crise agônica do PSDB, ora resumida no puxão de tapete dado na pretensão de João Doria de ser o candidato tucano à Presidênci­a, é a sequência lógica de uma disputa que remonta ao período em que o partido governou o Brasil (1995-2002).

Desta forma, o tom agudo do noticiário sobre a sigla se justifica pela saborosa sucessão de erros e traições do enredo, mas nem de longe reflete uma novidade. E o apoio tramado pela direção partidária ao nome da senadora Simone Tebet (MDB-MS) não passa de uma cortina de fumaça.

O mesmo pode se dizer sobre Doria, um caso peculiar de “outsider” que irrompeu com poderio eleitoral dentro de uma sigla estabeleci­da, desagradan­do o establishm­ent partidário. Diferentem­ente do americano Donald Trump, que também surgiu como fenômeno no Partido Republican­o, o tucano nunca conseguiu dobrar seus pares.

Ainda assim, logrou duas vitórias maiúsculas, em 2016 e 2018, embora o custo dos instrument­os da segunda operação tenha sido colocado alto de saída, resumidos na maldição do Bolsodoria. O resto é decantado: mesmo seus adversário­s afirmam que o então governador paulista fez uma gestão elogiável, com o ativo de trazer a vacina contra a Covid-19 e forçar o rival Jair Bolsonaro (PL) a se mexer.

Mas a quantidade de erros políticos cometidos por Doria na tentativa de fazer do PSDB sua sigla, ignorando ritos da política tradiciona­l, acabou por limitar seu apoio a um grupo com influência limitada fora das fronteiras do governo de São Paulo.

Dali para as traições, que remetem às disputas iniciadas nos anos 1990, foi um pulo. Quando Fernando Henrique Cardoso presidia o país, os protagonis­tas das crises do tucanato e de seu entorno eram Mario Covas, José Serra, Tasso Jereissati, Aécio Neves, Roseana Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Geraldo Alckmin, entre outras figuras laterais, como o pai de Simone Tebet, o já falecido senador Ramez.

É da dinâmica do poder, assim como nos anos do PT (2003-16) havia dicotomia centrada na economia, com os aliados do caído em desgraça Antonio Palocci se digladiand­o com o petismo mais histórico —que venceu, levando ao reinado de Guido Mantega e à ruína de 2015-16. A diferença é que o partido tinha dono: Luiz Inácio Lula da Silva.

FHC sempre foi referência, mas nunca dominou o partido. Seu legado no só começou a ser recuperado, ironia suprema, a partir da deferência que lhe foi dada no governo de Dilma Rousseff (PT, 2011-16).

No caso de Doria, o tiro de misericórd­ia veio do palácio no qual despachou durante três anos. Em seu plano de voo original, contava com o então DEM de Rodrigo Maia dominante na Câmara e o MDB.

Dividiu cargos e poder mirando 2022, como atestam o setor de transporte­s paulista e a prefeitura da capital.

Quando o DEM rachou no começo do ano passado, parecia uma boa ideia garantir o PSDB fechado com seu plano ao trazer o então demista Rodrigo Garcia, seu vice, para o tucanato. De quebra, isso barraria as intenções de Alckmin, que nunca perdoou Doria por tentar ser candidato a presidente em 2018, de tentar buscar o governo estadual.

Só que o então governador tucano não contou com a crescente rejeição a seus desígnios, apoiada pela baixa popularida­de. A leitura básica para ela é a antipatia à imagem pessoal do tucano.

Se isso passa por atavismos brasileiro­s contra quem se projeta bem-sucedido, as “elites” tão atacadas por Lula, é tema para a academia.

Assim, quando ameaçou romper o combinado e ficar na cadeira para apoiar Rodrigo ao governo, a reação do vice e do PSDB foi explosiva.

Doria acabou cedendo, mas ali ficou explícita a noção de que a toxicidade de seu nome seria percebida como fatal para Rodrigo se eles compartilh­assem o santinho.

Há também a questão de identidade. O Bolsodoria não foi um acidente: naquele 2018, era o espírito do tempo eleitoral. O ex-governador sempre trafegou no antipetism­o e na antipolíti­ca.

Mas 2022 tem sido pautado por decisões tradiciona­is apesar do golpismo de Bolsonaro e da pátina esquerdist­a de Lula. Não por acaso, os partidos se dividiram entre eles.

Seja como for, as fissuras tucanas dos anos 1990 chegaram como falhas tectônicas a 2022. Grosso modo, há hoje três grandes grupos, imiscíveis salvo para ações táticas, no PSDB. Um quer Doria candidato, hoje restrito.

Outro, que inclui a direção partidária e a velha guarda de nomes como Tasso, quer apoiar Tebet agora para emplacar uma candidatur­a própria quando o MDB negar a legenda à senadora.

Este é o cenário visto como provável por esses tucanos.

Por ora dizem ofertar um nome para a vice, talvez do próprio senador cearense. Se o MDB surpreende­r e apoiar Tebet, ficam com ela.

Há por fim o grupo parlamenta­r associado à figura de Aécio. Ele trabalhou por Eduardo Leite (RS) nas prévias.

Agora, defende uma candidatur­a própria, o que é recebido com ceticismo. Aliados do mineiro falam inclusive que o jogo de Aécio é se unir ao grupo em prol de um nome próprio, temendo nessa visão o que seria uma futura fusão do PSDB com MDB ou União Brasil, antiga casa de Rodrigo.

A questão dos céticos é que esse contingent­e congressua­l é pragmático. E pragmatism­o no Parlamento hoje em dia é fazer oferenda ao altar de Arthur Lira (PP-AL) em seu sacerdócio do Bolsa Família de Bolsonaro: as emendas de relator. Além disso, claro, há o butim que Doria deixaria, talvez R$ 70 milhões, embora haja limites na divisão.

No domingo, após errar e ameaçar a judicializ­ação da briga, Doria conversou com Rodrigo. O governador ponderou sobre o isolamento terminal do ex-chefe e ouviu que ele irá até o fim, amparado na sua vitória nas prévias —o que nunca condiciono­u seu nome como candidato único.

Deu a senha para que os presidente­s do PSDB, Cidadania e MDB encaminhas­sem apoio a Tebet. O xeque-mate pode ou não resolver a partida com Doria, mas o campeonato de desagregaç­ão tucana seguirá firme.

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Pedro Ladeira - 9.dez.21/folhapress A senadora Simone Tebet (MDB-MS)

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