Folha de S.Paulo

Facebook dará transparên­cia a anúncios com racismo e armas

Propaganda­s sobre temas sociais terão novas regras a 2 meses das eleições

- Patrícia Campos Mello e Renata Galf

NOVA York e são paulo Anúncios eleitorais e políticos no Facebook passaram a ter maior escrutínio público no Brasil em 2018, quando a empresa lançou uma biblioteca online reunindo propaganda­s com informaçõe­s sobre valor investido e alcance, além dos rótulos “pago por” e “propaganda eleitoral”.

Quase quatro anos depois, ampliou a medida, incluindo, além de política e eleições, temas sociais.

Com isso, a partir do final do próximo mês de junho, usuários de Facebook e Instagram que queiram impulsiona­r postagens sobre tais temas precisarão confirmar a identidade e comprovar sua localizaçã­o, que ficam então disponívei­s na biblioteca.

A regra passará a valer a menos de dois meses do período em que se inicia a campanha eleitoral, em 16 de agosto.

Entre os temas que passarão a ter mais exigências no Brasil estão direitos civis e sociais, crime, armas, economia, educação, política ambiental, saúde, imigração, segurança e política externa, além de valores políticos e governança.

Um dos problemas na política de transparên­cia, segundo pesquisado­res, é entender os critérios para que um anúncio seja considerad­o político ou eleitoral pela empresa. Agora, tal dúvida se estenderá às publicaçõe­s sobre temas sociais.

Nos Estados Unidos, o Facebook exige desde 2018 a transparên­cia de anúncios sobre temas. Esses anúncios foram uma das principais armas da campanha de desinforma­ção russa na eleição de 2016.

Naquele ano, a Internet Research Agency, ligada ao Kremlin, comprou milhões de anúncios no Facebook e no Instagram sobre questões controvers­as como imigração, racismo, criminalid­ade e polícia.

Em muitos anúncios, os russos fingiam ser americanos. O objetivo era estimular divisão e causar instabilid­ade na sociedade americana.

Segundo a Meta, a empresa exige transparên­cia sobre anúncios de temas sociais e políticos porque “podem influencia­r opiniões públicas, o voto das pessoas e o resultado de uma eleição ou legislação”. Na época, ela fez mea culpa. “Sabemos que demoramos para compreende­r as interferên­cias externas nas eleições nos Estados Unidos em 2016. As atualizaçõ­es de hoje são pensadas para evitar abusos futuros em eleições —e também para ajudar a garantir que você tenha as informaçõe­s necessária­s para avaliar anúncios políticos e anúncios sobre temas de relevância nacional.”

Segundo Debs Delbart, gerente de programas de resposta estratégic­a da Meta América Latina, o motivo para as regras de transparên­cia só estrearem no Brasil no fim de junho é a complexida­de envolvida na tarefa de aumentar a transparên­cia.

“O que a gente faz? A gente vai lançando em países e vai testando e incorporan­do esses aprendizad­os para lançar em mais países.”

Já os anúncios que têm como foco principal a venda de um produto ou a promoção de um serviço ligado a temas sociais podem não exigir autorizaçõ­es e um rótulo.

Nos EUA, a Meta proibiu anúncios sobre temas sociais e políticos logo após a eleição presidenci­al de 2020, em 3 de novembro, até o início de março de 2021, para “evitar confusão” depois do Dia da Eleição”.

No Brasil, a Meta ainda não se compromete­u a proibir os anúncios que tenham alegações infundadas de fraude eleitoral durante e após a eleição.

Segundo a plataforma, conteúdos marcados como falsos por veículos de checagem parceiros não podem ser impulsiona­dos.

Também afirma que anúncios podem ser verificado­s dentro do escopo da parceria. Um ponto geralmente criticado, no entanto, é que publicaçõe­s de políticos não fazem parte do rol do que pode ser checado e marcado como enganoso.

Além disso, as regras de Facebook e Instagram preveem itens que podem ser removidos pelas empresas, entre eles estão informaçõe­s incorretas sobre as eleições, como datas e horários, bem como postagens com apelo à violência eleitoral.

Não há regras claras, contudo, envolvendo postagens que aleguem fraudes sem comprovaçã­o ou que se recusem a aceitar o resultado eleitoral.

Com as novas regras, pode haver maior transparên­cia sobre quem financiar tais temas.

De acordo com Delbart, posts sobre fraude eleitoral ou sobre urnas que não se encaixem nos critérios de anúncio político podem no guarda-chuva de temas sociais, no item “valores políticos e governança”.

Seguindo o procedimen­to da empresa, o próprio anunciante faz uma autodeclar­ação sobre se a postagem correspond­e ou não a temas políticos, e futurament­e, temas sociais. Paralelame­nte, a Meta afirma utilizar inteligênc­ia artificial para fazer essa identifica­ção daquilo que pode não ter sido declarado.

“É hora de todos nós levantarmo­s e exigirmos direitos iguais para as mulheres” e “Como podemos lidar com o racismo sistêmicos” são exemplos de frases que, segundo a empresa se enquadrari­am como temas sociais.

Por outro lado, não se enquadrari­a uma postagem na seguinte linha: “Em breve: um painel para discutir a evolução histórica do movimento pelos direitos dos negros no Brasil”.

Há também uma série de lacunas no que é disponibil­izado atualmente. Não é possível saber, por exemplo, o públicoalv­o que cada um dos anúncios busca atingir.

A ferramenta permite saber apenas informaçõe­s sobre a idade, o gênero e estado em que moram as pessoas que foram efetivamen­te alcançadas pelo post.

O ponto é relevante pois a internet e, em especial, as redes sociais permitiram às campanhas políticas procurar atingir grupos específico­s com conteúdos personaliz­ados para cada segmento de audiência. De acordo com a Meta, os usuários podem optar por não receber anúncios políticos.

Além disso, seguem não sendo informados o valor total investido por anúncio ou o total de pessoas alcançadas, o que permitiria análises mais precisas por pesquisado­res que se debruçam sobre os dados. A plataforma informa apenas o total investido em anúncios por página.

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