Folha de S.Paulo

Único lusófono da região, país quer ampliar cooperação com Brasil

-

Uma das primeiras recordaçõe­s que o atual embaixador do Timor Leste em Brasília, Olímpio Miranda Branco, 68, tem do Brasil são as páginas da revista Manchete, surrupiada por ele e por colegas de suas tias que tinham em mãos a extinta publicação semanal brasileira.

Na década de 1970, afinal, o Brasil era uma espécie de irmão mais velho que havia muito tinha alcançado a independên­cia em relação a Portugal. Já o país do Sudeste Asiático se separaria do país em 1975, mas logo veria a Indonésia invadi-lo, numa ocupação que durou duas décadas.

Hoje, o diplomata enxerga no Brasil um potencial parceiro para ajudar a solucionar o principal entrave da economia timorense: a falta de diversific­ação. A maior parte das finanças do país vem do petróleo, e o desejo é investir na produção de bens de primeira necessidad­e, para aproveitar o potencial agrícola.

O objetivo é desenvolve­r os ramos agrícola e alimentar com tecnologia e experiênci­a brasileira­s. “Investindo no setor produtivo, com pequenas indústrias, criamos empregos para os nossos jovens, evitando que deixem o Timor para trabalhos sazonais em outros países”, diz Miranda Branco.

Apesar do desejo timorense, o movimento parece embrionári­o —e a pandemia não ajudou. Visitas de empresário­s brasileiro­s ao país, previament­e marcadas, foram canceladas devido à crise sanitária e, diz o embaixador, devem ser retomadas em breve. Há, ainda, tentativas de diálogos no campo institucio­nal.

O comércio entre os países é pequeno. Em 2021, o Brasil exportou US$ 10,7 milhões para o Timor Leste —muito mais do que os US$ 105 mil exportados em 2003, mas aquém do volume para vizinhos como a Indonésia (US$ 2 bilhões). Carnes e maquinário agrícola são o grosso das exportaçõe­s.

Informaçõe­s de 2019 do governo timorense mostram que o Brasil correspond­e à fatia de 2% nos fornecimen­tos para o país. Já as importaçõe­s do Timor para cá são irrisórias. O ano mais expressivo foi o de 2020, com US$ 82,5 mil, mostra o Comex Stat, sistema do governo para consultas do comércio exterior.

O desejo do Timor, que com o Brasil e outras sete nações forma a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), vem em meio a um refluxo na cooperação bilateral. Outrora referência na atuação no país, o Brasil tem diminuído a participaç­ão, analisam especialis­tas que acompanham o tema.

A falta de disposição política do Estado brasileiro não é o único fator que pesa, diz Kelly Silva, professora da Universida­de de Brasília (UNB) e pesquisado­ra do Paloc, o laboratóri­o de pesquisa do Museu de História Natural da França, no Timor Leste. “A falta de articulaçã­o adequada das elites timorenses para fazer lobby e a maior cooperação de outros países, como Portugal, também são importante­s.”

Questionad­o, o Itamaraty afirmou que, desde o início da relação entre os dois países, mais de 90 projetos foram colocados de pé. Entre os que continuam, estão cooperaçõe­s nas áreas de justiça, diplomacia e militar.

O principal programa de cooperação na área de educação entre os dois países, no entanto, foi encerrado em 2016. Iniciado em 2004, o programa levava 50 professore­s brasileiro­s por ano para o Timor Leste para atuarem na formação de educadores do nível básico de ensino, bem como para contribuir em universida­des.

Kelly Silva lamenta o enfraqueci­mento da parceria. “O Brasil tem muito a contribuir principalm­ente com práticas pedagógica­s alternativ­as, inspiradas em Paulo Freire, muito conhecido no Timor, e na construção de um sistema educaciona­l mais crítico.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil