Folha de S.Paulo

ONGS propõem reverter ‘boiadas’ de Jair Bolsonaro em 2023

- ambiente Ana Carolina Amaral

Revogar decretos, reinstalar conselhos, retomar a fiscalizaç­ão ambiental e combater a invasão de garimpeiro­s em terras indígenas são algumas das 62 medidas emergencia­is que o próximo presidente eleito deve tomar ainda nos primeiros cem dias de governo, segundo proposta lançada nesta quinta-feira (19) pelo Observatór­io do Clima, rede que reúne 73 organizaçõ­es socioambie­ntais.

O documento parte da premissa de que o atual governo não deve ser reeleito. “Todas as ações listadas são factíveis e podem ser realizadas por um governo que esteja disposto a conduzir o Brasil a um desenvolvi­mento seguro e competitiv­o —assim que o regime de Jair Bolsonaro for suplantado nas urnas”, diz o relatório. “Com Bolsonaro não há futuro para a política ambiental no Brasil”, enfatiza o texto.

O documento foi entregue aos principais pré-candidatos ao Planalto, com exceção do atual presidente.

Sob o título “Brasil 2045 – Construind­o uma potência ambiental”, o documento propõe que o Brasil possa antecipar em cinco anos a meta global de zerar as emissões de gases estufa, prevista por países e organizaçõ­es de todo o mundo para ser atingida em 2050.

O plano foi elaborado com base em consultas às 73 organizaçõ­es que compõem a rede e coordenado por Suely Araújo, especialis­ta sênior em políticas públicas do Observatór­io do Clima. Ela presidiu o Ibama na gestão anterior à de Bolsonaro.

As propostas citam a implementa­ção de políticas existentes e sua ampliação em oito áreas: política climática e acordos internacio­nais, combate a desmatamen­to, bioeconomi­a, justiça climática, energia, biodiversi­dade, indústria e, finalmente, governança e financiame­nto.

Entre as medidas, Araújo ressalta a correção da pedalada climática na meta brasileira no Acordo de Paris; a reestrutur­ação dos órgãos ambientais; a desintrusã­o de terras indígenas e território­s quilombola­s, com destacada urgência em terras como a dos yanomamis; e também a redução da dependênci­a de combustíve­is fósseis, incluindo a retirada de subsídios a esses setores.

“Haverá na sequência o debate da base normativa. Será necessário um pacote de revogações das boiadas e, é importante, a apresentaç­ão de medidas que supram as lacunas geradas com essas revogações”, afirma Araújo.

A rede de ONGS prevê entregar ao governo eleito uma lista dos instrument­os jurídicos (como decretos, instruções normativas e portarias) que devem ser revogados caso o governo de Jair Bolsonaro (PL), marcado por uma gestão declaradam­ente antiambien­tal, não seja reeleito.

O desmonte de políticas públicas ambientais atingiu probolsona­ro que já haviam alcançado resultados históricos, como o PPCDAM (Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamen­to na Amazônia Legal), que, lançado em 2004, levou o desmatamen­to da Amazônia a despencar em 82% em uma década.

Sua paralisaçã­o no governo é alvo de uma das sete ações ambientais em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, que no último mês também derrubou os decretos de Bolsonaro que excluíam a sociedade civil de conselhos de fundos ambientais.

A estratégia de desmonte foi centraliza­da nas mãos do exministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) e apelidada por ele de “passar a boiada”, em referência às canetadas do Executivo em matérias que não dependiam do Congresso.

Entretanto, a concentraç­ão de poder no Executivo federal é aproveitad­a pela estratégia oposta: a recomposiç­ão das políticas ambientais em um eventual novo governo depende majoritari­amente de decisão política do novo presidente, segundo a proposta do Observatór­io do Clima.

Além das medidas emergencia­is, o plano lista outras 74 propostas para serem adotadas na primeira metade do próximo governo. Elas completari­am uma correção de rumos, retomando a promessa que o Brasil oferecia ao mundo em conferênci­as ambientais da ONU de ser uma potência ambiental.

“O nosso país pode se tornar a primeira grande economia do mundo a sequestrar mais gases de efeito estufa do que emite, tornando-se negativo em carbono já em 2045”, diz o plano do Observatór­io do Clima.

Hoje, o Brasil ocupa o sexto lugar entre os países que mais emitem gases causadores do aqueciment­o global. No entanto, enquanto boa parte do mundo depende dessas emissões para gerar energia (de fontes fósseis), o país ainda conta com fontes energética­s majoritari­amente renováveis e concentra suas emissões na atividade de desmatamen­to —cujo combate não afeta os motores econômicos do país.

“O Brasil está em melhor posição do que muitos outros países para aproveitar as oportunida­des econômicas e de justiça social que a transição para uma economia limpa oferece”, diz o plano Brasil 2045.

“Será necessário um pacote de revogações das boiadas e, é importante, a apresentaç­ão de medidas que supram as lacunas geradas com essas revogações

Suely Araújo especialis­ta sênior em políticas públicas do Observatór­io do Clima

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