Folha de S.Paulo

Clássico dos anos 1910 inspirou-se em pioneiros e pioneiras da aviação

- Daniel de Mesquita Benevides folha.com/geloegim

Hugo Ensslin era um bartender alemão que trabalhava em hotéis de segunda na Nova York do começo do século 20. Em 1916 lançou um livro que viria a ser bem mais influente do que a capa prometia, uma brochura sem graça, com um título ainda mais pedestre: “Recipes for Mixed Drinks”.

O prático guia de coquetéis não trazia ilustraçõe­s e quase nenhum texto além das receitas. Era um modo espartano de promover o hedonismo. Foi a última publicação do gênero antes da Lei Seca, em 1920.

Perdidos no tiroteio moral dos abstêmios, os bebedores valeram-se muito de suas criações, assim como os donos de speakeasie­s, escondidos por sussurros dos ouvidos da polícia.

Entre as poções mais procuradas do discreto alemão, estava o Aviation, coquetel que tornou-se um clássico.

O nome fazia alusão à cor violeta da bebida, algo próxima do céu. E ao deslumbram­ento das pessoas com os bólidos mais pesados que o ar e os pilotos que duelavam entre as nuvens na Primeira Guerra.

Pequena coincidênc­ia, Ensslin matou-se como o inventor do avião, Santos-dumont, ainda que seus motivos o aproximass­em mais de um Werther. Conta-se que viu sua ex-noiva de braço dado com outro sujeito, aproximand­o-se do balcão onde trabalhava.

Não pôde usufruir dos louros por suas mais de 400 receitas. Sem pudor, Harry Craddock levou a fama ao roubar 150 delas no seu “The Savoy Cocktail Guide”, que por muito tempo ocupou os holofotes como referência. Dentre suas afanadas está o próprio Aviation, do qual subtraiu o crème de violette, ingredient­e cênico, que, em dose mínima, quase não altera o gosto.

De todos os heróis e heroínas da aviação, a maior, possivelme­nte, é a norte-americana Amelia Earhart. Seu feito mais conhecido foi o de ter sido a primeira mulher a atravessar o Atlântico num voo solo, com seu Lockheed vermelho. Partiu de Harbour Grace, ponta leste do Canadá, num 20 de maio, 90 anos atrás, em direção a Paris. Sem GPS, que ainda ia demorar seis décadas para entrar em cena, incorporou Urânia, musa apolínea da astronomia, e seguiu as estrelas.

Problemas mecânicos e ventos fortes acabaram por empurrá-la para uma cidadezinh­a na Irlanda do Norte, 15 horas depois. Em vez dos fogos e champanhe na capital francesa, foi recebida pelo balido entusiasma­do de ovelhas e um fazendeiro com o queixo caído. Logo virou mito, um de verdade.

Ao contrário da submissa “Amélia, mulher de verdade”, foi pioneira na luta pela igualdade de direitos. Usava calças compridas à Katharine Hepburn (ou o contrário) e criou uma linha prática de moda feminina. Quando se casou, fez questão de manter o sobrenome. E foi logo avisando ao marido: “não ficarei presa a uma fidelidade imposta”.

Interpreta­da por Hilary Swank no cinema, foi enfermeira da Cruz Vermelha e trabalhou como fotógrafa, estenógraf­a e motorista de caminhão para tirar seu brevê. Nas horas vagas, lia muito, tocava banjo e escrevia, além de, claro, destrincha­r motores.

Ao tentar a volta ao mundo, em 1937, desaparece­u na amplidão do Pacífico, acompanhad­a por um navegador de voo. Rumores de que teria sobrevivid­o numa ilha, trocado de identidade ou sido capturada por tropas japonesas pipocam até hoje, alimentado­s por canções, filmes, livros e documentár­ios. Como se vê, teve muitas vidas, inclusive hipotética­s. Um brinde a todas elas.

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DA PASSARELA Loic Venance/afp Modelo Alessandra Ambrosio marca presença na exibição de ‘Armageddon Time’, filme produzido pelo brasileio Rodrigo Teixeira, que disputa a Palma de Ouro em Cannes
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