Harry Styles faz o melhor disco de sua carreira
Nova obra do músico é a prova de que ele funciona melhor quando foge da mesmice do pop e de sua persona rockstar
MÚSICA Harry’s House ★★★★ ★
Autor: Harry Styles. Gravadora: Columbia Records. A partir desta sexta (20) nas plataformas digitais
Não é de hoje que Harry Styles quer se desvincular da imagem de garotinho de boy band, fama que conquistou na sua fase de One Direction. Entre suas várias tentativas, que incluem desde músicas sobre sexo oral até looks de vestido, a mais madura até agora é “Harry’s House”, seu terceiro disco solo, que chega às plataformas digitais nesta sexta.
Quando apostou numa imagem rockstar à lá David Bowie e Fleetwood Mac, no seu primeiro álbum solo, de cinco anos atrás, Styles soou pouco original. Dois anos depois, foi a vez de “Fine Line”, disco que trouxe canções de produções mais robustas e que mesclava um soft rock com o pop contemporâneo —o que até rendeu a ele hits lucrativos, mas nada muito além disso.
Se comparado a essas versões, o Styles de agora é não só mais autêntico, como também mais ousado —ainda que numa embalagem limitada.
Com uma pegada oitentista, o álbum abre com uma de suas melhores faixas, “Music for a Sushi Restaurant”, que traz um bumbo marcante, num synthpop com toques de rock, R&B e soul. A canção sintetiza bem a nova era do músico e soa como um convite à balada presente no restante da obra.
Na mesma atmosfera, “Late Night Talking” —que ao lado de “Boyfriends” e “As It Was” já foi apresentada pelo cantor no festival Coachella deste ano— oferece uma onda vibrante, com sintetizadores demarcados numa harmonia pop. Isso também aparece em “Grapejuice”, que traz uma guitarra abafada, melismas agudos, vocal distorcido e trechos com um gostinho psicodélico que lembra um pouco o estilo de bandas como Tame Impala e MGMT.
Primeira canção do ano a receber um disco de platina, “As It Was” —que explodiu no Tiktok pouco após o lançamento de seu videoclipe, no fim de abril— segue a mesma linha dançante e remete a “Take On Me”, do A-HA, com teclado e bateria pulsantes.
Toda essa estética eletrônica arroz de festa também está em faixas como “Cinema” e “Daydreaming”. Não é, porém, a única do disco. Dividido em lados A e B, ele surfa ainda em canções de folk, com batidas mais suaves e letras de coração partido e apaixonado.
Nessa parte mais sóbria de “Harry’s House”, o estilo que predomina é de intimidade e calmaria —como se Styles resolvesse sacar um violão eletroacústico no meio de uma festa agitada, que, como sugere o nome do álbum, acontece em sua própria casa.
O folk das faixas “Little Freak”, “Matilda” e “Boyfriends” vai na direção contrária à da principal potência do disco e soa um tanto quanto clichê, lembrando muito o que o cantor já fez várias vezes desde que despontou, no começo dos anos 2010, na extinta One Direction. Já “Keep Driving”, “Satellite” e “’Love of My Life” são folks mais significativos para sua nova era e evitam harmonias simplistas.
Em relação às letras, se “Fine Line” era voltado a “sexo e tristeza”, como o próprio Styles definiu na época de lançamento, “Harry’s House” traz versos não só sobre dores e tesão, mas também sobre rotinas banais —rodeadas por elementos como jardins, comida japonesa, sucos e cinemas.
Styles disse recentemente à rádio americana Siriusxm que esse é o primeiro trabalho que realizou a partir de uma sensação de liberdade, sem pressões sobre o passado. Exagero ou não, sua declaração condiz bastante com o sentimento que o álbum evoca.
Produzido por Tyler Johnson e Kid Harpoon, “Harry’s House” mostra um músico mais calejado e promissor. Suas referências oitentistas são executadas com mais personalidade do que as influências de seu primeiro disco, que pouco o deixaram aparecer. E as virtudes de “Fine Line” surgem de forma intensificada.
Ainda assim, o ex-boy band poderia ter ido muito além e evitado derrapar nos clichês de sua própria trajetória.
“Harry’s House” é a prova de que Styles funciona melhor quando sai do pop-mesmice e da persona rockstar.