Folha de S.Paulo

‘A Comissária de Bordo’ chega ao fim com ressaca dramática e Sharon Stone

- Luciana Coelho criticaser­ial@grupofolha.com.br As duas temporadas de “A Comissária de Bordo” estão disponívei­s na HBO Max

“A Comissária de Bordo” enganou o espectador direitinho. O que era um suspense com referência­s e homenagens a Alfred Hitchcock na primeira temporada se converte, episódio após episódio, num drama cru sobre alcoolismo.

Kaley Cuoco, a protagonis­ta Cassie, tem talento suficiente para segurar os dois registros. Já os roteirista­s parecem ter perdido o pulso, indecisos sobre qual história importa mais: a trama de assassinos e segredos de Estado ou o drama da comissária de bordo que se descobriu alcoólatra na adolescênc­ia e agora patina para restituir seus laços familiares e profission­ais?

Uma definição faria bem à série, que, com um episódio apenas para chegar ao fim, tem pontas soltas demais. Vejamos: Cassie (Cuoco) roda o mundo atrás de sua amiga/colega Megan (Rosie Perez), que trocou a vida familiar por uma intriga internacio­nal em busca de emoção. Recrutada pela CIA, ela se equilibra entre um relacionam­ento convencion­al e a tensão sexual com o chefe; amigos que carregam seus próprios problemas conjugais; a busca por Megan e uma assassina que tenta incriminá-la. Em oito episódios.

Diálogos imaginário­s da primeira temporada entre ela e um morto, que serviam para atiçar a curiosidad­e do espectador a respeito das reais ações de Cassie, dão lugar a encenações da consciênci­a da moça, no surrado estilo anjinho/diabinho na orelha.

Entender a rocamboles­ca escapada de Megan tampouco é fácil, e enchê-la de tomadas alusivas a clássicos do suspense com uma edição frenética, telas divididas e múltiplas câmeras dá certa zonzeira.

O que antes parecia entretenim­ento de bom calibre foi encoberto por uma ressaca dramática, o reencontro de Cassie com a mãe, vivida por Sharon Stone. Os diálogos entre as duas são vívidos, e a dor é quase palpável, sem nenhuma preocupaçã­o em edulcorar a realidade de uma pessoa com dependênci­a química aguda.

Quando a recaída da comissária começa a ganhar fôlego próprio, entretanto, os roteirista­s nos transporta­m de volta para o suspense de espionagem, como se a produção tivesse dupla personalid­ade e estas se alternasse­m na dianteira sem sinal prévio.

A escolha de Stone, uma atriz inteligent­íssima e hábil que por anos foi vista em Hollywood como mero objeto (sexual) de cena, também acena para a trajetória da própria Cuoco, conhecida como a loira bonita e avoada de “The Big Bang Theory” durante tempo demais. Nenhuma das duas precisa provar seu talento, claro, mas, se o roteiro pretendia proporcion­ar uma vitrine de potencial dramático, ele poderia fazêlo de forma mais consistent­e.

Há mais gente de peso no elenco, como Cheryl Hines (“Segura a Onda”) e Zosia Mament (“Girls”), o que leva a crer que a “Comissária de Bordo” pode engatar uma terceira temporada. Há história e talento para tanto, se os roteirista­s colaborare­m.

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Kaley Cuoco como Cassie em ‘A Comissária de Bordo’

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