Folha de S.Paulo

Sabelucha, antigo café petista no Bexiga, em SP, reabre sem política

Casa no centro da capital paulista ganhou nova direção após a morte do antigo proprietár­io, Segismundo Bruno

- Marina Consiglio

são Paulo Mais do que o cafezinho e os bolos, a principal marca do café Sabelucha, no Bexiga, eram as fotos, os pôsteres e as bandeiras com frases e imagens do Lula e do PT. Isso sem falar do carisma do dono, Segismundo Bruno, é claro.

Não era preciso nem sequer entrar no local, na região central de São Paulo, para amá-lo —se você fosse simpático à esquerda— ou odiá-lo —se fizesse parte do lado antipetist­a.

Da rua mesmo já era possível avistar as fotos de Lula e de Dilma Rousseff, as palavras de ordem contra figuras como Michel Temer e Jair Bolsonaro e outros objetos que emprestava­m à casa um pouco da personalid­ade de Bruno, que fundou o negócio ao lado da irmã, Maria Imaculada, em 1993.

O nome é uma homenagem à avó Isabela, também chamada de Isabelucha ou somente Sabelucha. Mas, no fim, acabou virando a própria alcunha de Bruno, que era conhecido pelas ruas do bairro como Bruno Sabelucha.

Com a sua morte, no fim de 2020, o futuro do café ficou incerto. “Muita gente achou que estivesse fechado por causa da pandemia, mas na verdade a gente estava reformando”, diz Cristiana Novaes Silva, que agora comanda o local com o marido, Manoel de Jesus.

Dono da cantina e pizzaria 13 de Maio, a poucos metros dali, o casal assumiu a empreitada após a morte do antigo proprietár­io. Silva conta que havia muita gente interessad­a no ponto, mas como o marido era amigo do Bruno, a família deu preferênci­a para eles. “Nós não compramos, alugamos. O prédio continua deles. Foi um acordo que fizemos.”

O Sabelucha reabriu no dia 19 de abril, sob nova direção. Mas, fora o endereço, o balcão e a máquina de expresso, tudo mudou. Não há mais os objetos ligados à esquerda. “Não vou ligar o café a um partido”, comenta Silva. “O Bruno era uma pessoa, eu sou outra. Na época dele, o pessoal que é contra o PT não entrava aqui —mas eu não quero isso.” Segundo ela, Bruno tinha ali um lugar mais de diversão. “E eu quero ganhar dinheiro.”

A nova casa tem agora uma decoração contemporâ­nea, em tons de madeira e com uma parede de plantas, que serve de moldura para o letreiro. A proposta também mudou —hoje, explica a dona, ali funciona um café gourmet.

“Antes tinha mais brigadeiro, bolo toalha felpuda e cafezinho, né? Hoje a gente tem café gourmet, outros tipos de bolos, doces e salgados”, lista. Mas ainda há os itens clássicos para os mais saudosos.

Ao contar as mudanças feitas, ela revela a preocupaçã­o em respeitar a memória do antigo dono. “Não queria nem pintar as paredes, porque o próprio Bruno havia pintado.”

Apesar de darem uma cara própria ao espaço, os novos donos mantêm em uma das paredes uma espécie de memorial do antigo Sabelucha, com fotos de Bruno. “Quero colocar bastante foto dele aí”, revela. “Todo dia aparece gente perguntand­o dele, dizendo que sentem saudade.”

Uma das figuras lendárias do Bexiga, Bruno batiza agora duas biblioteca­s na mesma rua, a 13 de Maio. Uma delas é dedicada à literatura infantil, a biblioteca Segismundo Bruno, que divide espaço com a livraria Faz de Conta e a editora ÔZÉ, na altura do número 515.

A outra está na Canhota Mercearia, no 772. Nos fundos da loja, uma placa identifica a minibiblio­teca Segismundo Bruno “Sabelucha”, com livros de formação política.

E não é só a temática da biblioteca que lembra o antigo proprietár­io do café. A loja nasceu também expressand­o seu posicionam­ento político à esquerda, com camisetas, canecas e bandeiras estampadas com o rosto de Lula, a estrela do PT e o símbolo do MST —de certa forma, tornandose herdeira política no bairro do antigo Sabelucha.

Aberta durante a pandemia, a mercearia ocupa o espaço que era do bar Catzo, que fechou as portas. Carlos Milhomem, dono do local, criou o negócio num momento em que bares e restaurant­es não podiam funcionar devido às medidas de combate ao coronavíru­s. “Hoje é o que paga as contas”, diz, apesar de não esconder as saudades do bar.

Por ali, a estratégia de negócio é nichada e abre mão dos consumidor­es bolsonaris­tas para se posicionar politicame­nte, assim como Bruno fazia. “Não temos nada produzido por multinacio­nais”, diz Milhomem, reforçando que o público da loja também encontra itens orgânicos e de pequenos produtores. Enquanto comenta isso, serve um café numa xícara do Sabelucha.

“Foi a Maria, irmã do Bruno, quem me deu. O café estava fechado, e a gente tentou alugar o ponto. Mas a família falou que estava conversand­o com outras pessoas”, conta. “Até que um dia ela veio aqui e me trouxe esta xícara de presente, dizendo que decidiu alugar o café para outros.”

Sabelucha

R. 13 de Maio, 580, Bexiga, região central, Instagram @sabelucha.oficial

Canhota Mercearia

R. 13 de Maio, 772, Bexiga, região central, Instagram @canhotamer­cearia

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Fachada restaurada do Sabelucha, que voltou a receber o público em abril deste ano
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Canhota Mercearia, que funciona na mesma rua 13 de Maio
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Fotos Gabriel Cabral/folhapress Área interna do Sabelucha, aberto em 1993, após a reforma

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