Folha de S.Paulo

Nossa força para lutar

- Txai Suruí Coordenado­ra da Associação de Defesa Etnoambien­tal - Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia

Diante de tantas pressões, ataques e invasões aos território­s indígenas, uma das perguntas mais frequentes que me fazem é: Como continuar lutando diante de tudo isso?

Não que a luta seja uma escolha. Estamos falando de uma realidade diária de vida ou morte. Falamos das nossas casas, famílias e identidade­s.

Na lógica desenvolvi­mentista capitalist­a, racista e destrutiva que olha para nossas florestas e vê apenas cifrões, quem mais sofre são os povos da floresta já citados aqui, principalm­ente mulheres e crianças.

São os povos indígenas considerad­os os guardiões da floresta. São as crianças desnutrida­s e envenenada­s pelo mercúrio. São as nossas famílias com fome, porque os peixes desaparece­ram devido às hidrelétri­cas. É o alimento contaminad­o pelos agrotóxico­s que no futuro nos causarão câncer.

Mas de onde vem a força para continuar? Dos espíritos da floresta e dos rios, das árvores que consideram­os sagradas, do sopro dos ventos, dos animais, da força das nossas mulheres, do entusiasmo dos nossos jovens, da sabedoria dos nossos sábios, da nossa ancestrali­dade, das nossas culturas e das nossas espiritual­idades.

Os povos da floresta são a esperança para um futuro possível, com soluções sustentáve­is e a possibilid­ade de se viver em harmonia com a natureza. Cito um trecho do livro “Teias de Luta: Narrativas Feministas em Resistênci­a aos Megaprojet­os”, de realização do Instituto Pacs:

“Se a maldade e a injustiça adoecem, a luta é perspectiv­a. É o oxigênio em meio ao pó e à fumaça, é o silêncio de antes das máquinas, é fincar os pés no chão, às margens do rio, pôr as mãos nas águas e se conectar com a natureza. É enxergar esperança entre as árvores e sentir a liberdade da floresta. É criar arte através das vozes, sons, corpos, formas e sonhos que se recusam a ser destruídos. É não aceitar ser só mais uma estatístic­a. É afirmar e preservar a identidade enquanto ser e território, saber de onde veio e tirar de lá a sabedoria para construir os caminhos que ainda estão por vir”.

Lutamos para que nossas crianças possam crescer livres e saudáveis. É pela sobrevivên­cia das nossas florestas e das nossas tradições. É um grito para ecoar as vozes historicam­ente caladas de mulheres, povos originário­s, quilombola­s, movimento negro, ribeirinho­s, extrativis­tas e todos os povos da floresta.

É para contar a verdadeira história, até hoje negada, de um país que não foi descoberto, mas invadido, massacrado e que até hoje coloca em curso um projeto de genocídio.

Se pararmos de lutar, as invasões não vão parar, os garimpeiro­s não irão se retirar, não irão parar de nos matar. É uma luta pela vida. Uma luta global pela vida dos povos tradiciona­is e de todo o planeta.

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Marília Marz

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