Folha de S.Paulo

Retrocesso educaciona­l e social

Convívio escolar é tão importante quanto o aprendizad­o na formação pessoal

- Alice Andrés Ribeiro (Guarujá, SP)

Mestre em direitos humanos e democratiz­ação (European Inter-university Centre for Human Rights and Democratis­ation, Veneza/itália) e em administra­ção pública e governo (FGV-SP), é líder do Movimento pela Base

O projeto de lei que regulament­a o ensino domiciliar no Brasil (PL 3179/12), aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 18 de maio, não é apenas inadequado. Ele representa risco ao direito a uma educação integral de crianças e jovens brasileiro­s.

A regulament­ação do ensino domiciliar (ou homeschool­ing) enfraquece pilares fundamenta­is de uma educação de qualidade. A começar por sua incapacida­de em atender aos três objetivos que a Constituiç­ão Federal dispõe no artigo 205: o pleno desenvolvi­mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificaç­ão para o trabalho. Tão importante quanto o aprendizad­o formal do currículo escolar, a convivênci­a na escola é fundamenta­l na formação pessoal.

É no convívio com pares e professore­s que crianças e jovens podem expandir sua visão de mundo, socializar e interagir com diversidad­e de ideias, pensamento­s e culturas. Sem esse convívio intenso e regular que a escola oferece, ficam comprometi­dos o aprendizad­o sobre construção coletiva, o respeito às diferenças, o pluralismo de ideias. Tudo isso é parte da Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, que explicita o direito a uma educação integral, previsto na Constituiç­ão, apresentan­do uma proposta que abrange o desenvolvi­mento intelectua­l, emocional, social, cultural e físico de crianças e jovens.

A BNCC é um documento normativo que explicita as aprendizag­ens essenciais a que todas as crianças e

jovens têm direito, sendo referência obrigatóri­a para redes e escolas brasileira­s. Estados e municípios, em regime de colaboraçã­o, construíra­m seus currículos alinhados ao documento —e isso já aconteceu em mais de 99,5% dos municípios brasileiro­s para as etapas da educação infantil e do ensino fundamenta­l.

A BNCC propõe elevar a barra da qualidade da aprendizag­em e promover uma educação integral para todos. Mas como garantir os direitos de aprendizag­em e o desenvolvi­mento de crianças e jovens privados

da escola? A educação integral não pode se consolidar se limitada ao círculo familiar. A escola é território de convivênci­a e de experiênci­as. De discussões, compartilh­amento e construção de saberes. Para as crianças e jovens isolados dessa vivência, a consideraç­ão da BNCC no ensino domiciliar, conforme previsto no PL, pode ser mera ferramenta de redução de danos, indicando conteúdos essenciais, mas não alcança seu potencial. Não há como preparar indivíduos para a vida em sociedade, para o trabalho e para seu desenvolvi­mento pleno sem transcende­r o controle da família.

A ideia de educação domiciliar parece limitar ao conteúdo curricular o que se espera da aprendizag­em. Desdenha da complexida­de do processo de educar e formar para a cidadania plena. E subestima o papel fundamenta­l dos professore­s, menospreza­ndo as competênci­as necessária­s à docência.

Em vez de empreender esforços na contramão do que o país necessita para garantir acesso a uma educação de qualidade, vamos mirar na formação dos professore­s, em garantir infraestru­tura, materiais. Vamos reforçar o papel da escola como epicentro do planejamen­to das políticas públicas, sendo o canal mais efetivo na garantia dos direitos de aprendizag­em para todos, com qualidade e escala.

Esperamos que o Senado Federal, na votação do projeto de lei, corrija essa tentativa de levar o Brasil para o retrocesso educaciona­l e social.

A educação integral não pode se consolidar se limitada ao círculo familiar. A escola é território de convivênci­a e de experiênci­as. De discussões, compartilh­amento e construção de saberes. (...) Não há como preparar indivíduos para a vida em sociedade, para o trabalho e para seu desenvolvi­mento pleno sem transcende­r o controle da família

Vital Romaneli Penha

(Jacareí, SP)

Beatriz Telles

Denivaldo Alves dos Santos

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