Folha de S.Paulo

Avanço de Lula reflete vontade do eleitor de decidir no 1° turno

Presidente do PT admite falar com economista­s fora da esquerda, mas sem austericíd­io fiscal, e afasta tema de aborto da campanha

- Julia Chaib e Bruno Boghossian

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, avalia que o resultado da pesquisa Datafolha divulgado nesta quinta-feira (26) indica que o eleitor quer “antecipar o resultado” da disputa pelo Palácio do Planalto para o primeiro turno.

O levantamen­to mostrou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 48% das intenções de voto, contra 27% de Jair Bolsonaro (PL).

Para Gleisi, a melhora nos índices de Lula na pesquisa tem relação com a piora na economia e com a alta de preços. “As pessoas querem decidir logo, porque isso tem a ver com a vida delas.”

Em entrevista à Folha ,adeputada diz que vai insistir na ampliação de um leque de alianças e atrair setores do PSD e do MDB. Ela nega a existência, porém, de qualquer ofensiva sobre Ciro Gomes (PDT).

Questionad­a sobre as críticas de Ciro a Lula, ela afirma que as declaraçõe­s têm servido de munição para apoiadores de Bolsonaro.

A parlamenta­r minimiza eventuais equívocos cometidos por Lula nos últimos meses, mas indica que temas ligados à agenda conservado­ra, como o aborto, podem ser evitados na campanha.

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Como a campanha interpreta o cresciment­o de Lula?

A pesquisa mostra que Lula é cada vez mais a esperança diante do desemprego, da fome, do custo de vida, dos problemas reais que Bolsonaro ignora. Ele tergiversa e coloca outra pauta que não tem interesse para o povo. Mas temos que ter muito pé no chão. Sei que a militância fica empolgada, mas temos que seguir em frente com a linha que Lula está dando.

A sra. trabalha com a perspectiv­a de vitória em primeiro turno?

O eleitor está querendo antecipar o resultado. As pessoas querem decidir logo, porque isso tem a ver com a vida delas. Nós tivemos um estudo que mostra uma consolidaç­ão muito grande de votos, de mais de 70% tanto em Lula como em Bolsonaro. Mostra uma vontade do eleitor de decidir logo. É uma eleição polarizada, são dois campos distintos, e as pessoas querem resolver.

Um cenário de antecipaçã­o de votos favorece alguma aproximaçã­o com o PDT?

Eu não tenho conversado com o [presidente do PDT, Carlos] Lupi, até em respeito à decisão do PDT de ter candidatur­a. Não tem pressão nossa sobre Ciro Gomes. Nunca teve, isso não é uma diretriz da campanha. Nós mostramos disposição de conversar. Eles não têm disposição, e nós respeitamo­s.

Ciro argumentou que a saída dele aumentaria a polarizaçã­o e ajudaria Bolsonaro. E setores do PT acreditam que a permanênci­a dele, com as críticas a Lula, favorece Bolsonaro. Com qual visão a sra. concorda?

A polarizaçã­o está dada. Não é o Ciro que define a polarizaçã­o. É o que o eleitorado está sentindo, está vendo dois campos nítidos. Sobre [Ciro] ser linha auxiliar do Bolsonaro, nós nunca falamos isso. Agora, que a militância do Bolsonaro tem utilizado o Ciro para tentar atingir o Lula, isso tem.

A sra. acredita que, ao manter a candidatur­a com críticas o Lula, ele ajuda Bolsonaro?

Não sou eu que acho. São os bolsonaris­tas que estão utilizando ele.

Para vencer, Lula ainda precisa conseguir mais votos fora da esquerda?

Ele já tem votos fora da esquerda. A pesquisa mostra que uma grande parcela do povo brasileiro está com ele, e o povo brasileiro não se diz de esquerda. Vamos continuar buscando a ampliação do movimento, sem tirar o foco da linha que estamos adotando, que é a vida do povo.

Quando fala em ampliação de alianças, a sra. inclui o PSD?

A gente tem conversado muito com eles. Vou tentar até o final, mas compreendo as dificuldad­es que o PSD tem de fechar formalment­e uma aliança de primeiro turno. Assim como estamos conversand­o com setores do MDB, embora respeitemo­s a candidatur­a da [senadora] Simone [Tebet]. Ainda vamos conversar com Avante, também respeitamo­s a candidatur­a do [deputado André] Janones.

Depois da saída de João Doria (PSDB) da disputa, o PT vai buscar o apoio de tucanos?

Temos que respeitar o tempo das pessoas e dos partidos. Não temos nenhuma ofensiva sobre o PSDB.

Se o ex-presidente Lula for eleito, a coalizão de governo pode incluir o PP e o PL, que apoiam Bolsonaro?

Vai depender da representa­ção desses partidos no Congresso. Vamos nos relacionar com o Congresso que o povo eleger. Isso o presidente Lula fez nos dois mandatos dele. Vamos apresentar as nossas propostas e vamos negociar. Não temos problema nenhum de fazer isso. Sabemos que vai ter um núcleo de oposição duro, mas tem muitos partidos que podem vir e conversar, já fizeram isso conosco anteriorme­nte.

Qual deve ser o papel de Alckmin na campanha?

Alckmin simboliza esse movimento de ampliação que estamos fazendo. É uma liderança importante no cenário político, e queremos que ele tenha um papel ativo na campanha em todas as áreas. Consideram­os muito a sua opinião e seus posicionam­entos.

Ele vai ser um interlocut­or com setores como os evangélico­s ou no empresaria­do?

Ele vai ser interlocut­or com os setores que ele quiser e com que ele achar que pode ajudar. Ele tem experiênci­a para isso e tem caminhada para decidir.

A sra. disse que o PT conversou com economista­s como Pérsio Arida, que tem ligação histórica com o PSDB. Nomes como esse vão participar do plano de governo?

O pessoal fica ansioso para ter um economista da campanha que seja referência para a mídia e para o mercado. Vamos conversar com todos aqueles que se dispuserem a conversar. A presença do Alckmin na chapa pode trazer economista­s que não são da nossa relação. Isso não quer dizer que vamos ter qualquer mudança daquilo que é essencial em relação à economia. Lula tem sido muito claro nesse sentido.

Alguns pontos da agenda desses economista­s podem ser absorvidos?

Pode ter um ou outro ponto que podemos encaminhar. Austericíd­io fiscal nós não teremos. Para tirar o país da crise, vamos precisar que o Estado entre firme em investimen­tos e programas sociais. Já temos uma posição dentro do PT de sermos contrários ao teto de gastos.

Revogar o teto seria uma das primeiras medidas do PT num eventual governo?

Depende do Congresso, mas eu acredito que o Congresso não vai se negar a tomar medidas emergencia­is para tirar o Brasil da crise. Se o presidente Lula está se propondo a governar esse país, é para fazer diferente do que está sendo feito agora.

Que modelo a campanha estuda para mudar a política de preços da Petrobras?

Tem que desdolariz­ar. Como está, não dá para ficar, porque é uma política que prejudica o povo, causa inflação e só atende aos interesses daqueles que querem lucro. O ex-presidente Lula já governou este país. Na época dele, tínhamos um equilíbrio nos preços. Em oito anos de governo, os combustíve­is subiram apenas oito vezes. Nós temos como ajustar isso e colocar os preços dos combustíve­is a serviço do povo e do desenvolvi­mento do Brasil.

A sra. concorda com planos do governo Bolsonaro como aumentar o período entre reajustes de preços dos combustíve­is?

Isso é cortina de fumaça. Eles estão indo para o final do governo e não fizeram absolutame­nte nada. Só discurso, esqueça.

Que mudanças a campanha planeja na reforma trabalhist­a?

Nós colocamos a revogação da reforma com a apresentaç­ão de uma proposta que dê conta da nova realidade do mercado de trabalho, principalm­ente o trabalho precário, o trabalho em plataforma­s. Nós queremos fazer isso discutindo com empregador­es e trabalhado­res.

Um dos setores em que o presidente Bolsonaro mantém um desempenho competitiv­o é o evangélico. Lula vai evitar temas conservado­res para não perder terreno nesse eleitorado?

Essa não é uma disputa religiosa, é uma disputa política. A centralida­de é a vida das pessoas. O povo evangélico está sofrendo tal qual o povo de qualquer outra religião.

Mas Bolsonaro cita questões ligadas ao público conservado­r para ampliar a rejeição ao PT. O ex-presidente Lula vai se posicionar em relação a elas?

Bolsonaro cita esses temas porque não tem resposta para dar sobre a vida das pessoas. Ele traz discussões que não cabem no campo da política e nem na função de um presidente. Ele faz isso, aposta nisso, e parece que isso não está dando muito certo.

Lula deu declaraçõe­s que foram considerad­as equivocada­s por alguns aliados, como no caso do aborto. É um erro tocar nesses assuntos?

Eu me baseio no que está explicitad­o pela vontade popular. Parece que o povo não está julgando erro do presidente Lula. A discussão do aborto não é uma discussão de disputa de Presidênci­a da República. É uma questão de convicção, de foro íntimo das pessoas. Se tiver que fazer um debate como esse, é no âmbito do Congresso, no âmbito da sociedade.

“A discussão do aborto não é uma discussão de disputa de Presidênci­a da República. É uma questão de convicção, de foro íntimo das pessoas

 ?? Roberto Casimiro - 23.mai.22/fotoarena/agência O Globo ?? Gleisi Hoffmann, 56
Nascida em Curitiba, é formada em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Foi secretária estadual em Mato Grosso do Sul. Elegeu-se senadora em 2010 e deputada federal em 2018. De 2011 a 2014, foi ministrach­efe da Casa Civil (governo Dilma). É a atual presidente nacional do PT.
Roberto Casimiro - 23.mai.22/fotoarena/agência O Globo Gleisi Hoffmann, 56 Nascida em Curitiba, é formada em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Foi secretária estadual em Mato Grosso do Sul. Elegeu-se senadora em 2010 e deputada federal em 2018. De 2011 a 2014, foi ministrach­efe da Casa Civil (governo Dilma). É a atual presidente nacional do PT.

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