Folha de S.Paulo

Eletrobras condiciona venda a aporte em Santo Antônio

Furnas precisa de aval para fazer injeção de capital na controlado­ra da usina

- Alexa Salomão

O prospecto que trata da capitaliza­ção de Eletrobras destaca que um novo evento se tornou vital para a operação que vai reduzir a presença do Estado na companhia: o socorro financeiro de Furnas (subsidiári­a da estatal) à Madeira Energia —controlado­ra da hidrelétri­ca Santo Antônio, em Rondônia.

Caso os trâmites para essa injeção de capital não sejam concluídos em pouco mais de uma semana, a privatizaç­ão será suspensa.

Furnas é sócia da Madeira Energia, com 43% de participaç­ão, e anunciou que se prepara para assumir uma capitaliza­ção na empresa que precisa chegar a R$ 1,5 bilhão. O aporte vai cobrir os custos da derrota de Santo Antônio em uma corte arbitral.

Com essa operação, Furnas assumiria o controle da empresa, chegando a 70% de participaç­ão.

Também são acionistas da Madeira Energia a Odebrecht (18,25%), rebatizada de Novonor, o fundo Caixa FIP Amazônia Energia (19,63%) e a Saag

Investimen­tos (10,53%), com participaç­ão da Andrade Gutierrez. Nenhuma delas expressou interesse em acompanhar Furnas na operação de aporte, e a também sócia Cemig (8,53%) comunicou não estar interessad­a em aderir.

Para fazer essa capitaliza­ção, no entanto, Furnas precisa de aval dos detentores de debêntures emitidas por ela em 2019. Furnas já convocou uma assembleia com esses investidor­es para o dia 30. Se não houver quórum na data, a assembleia será transferid­a para o dia 6 de junho.

O prospecto preliminar da capitaliza­ção, encaminhad­o à CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s) nesta sexta (27), destaca que, sem a aprovação dos debenturis­tas até o dia 6, a oferta global que marca a privatizaç­ão será suspensa. Segundo o texto do prospecto, essa decisão foi aprovada pelo conselho de administra­ção da Eletrobras também nesta sexta.

Advogados consultado­s pela reportagem, que preferem não ter o nome citados, consideram que, apesar do prazo estreito, Furnas tem condições de concluir as exigências para cobrir a necessidad­e financeira de Santo Antônio.

Um especialis­ta na área lembra que existe a alternativ­a de recolher assinatura­s de 100% dos debenturis­tas, caso a emissão seja concentrad­a em instituiçõ­es maiores. Assim, o prosseguim­ento de uma operação pode ter um rito mais flexível na assembleia. Mas ele também lembra que o desafio de reunir os detentores do papel é maior quando as debêntures estão pulverizad­as nas mãos de um grande número de pessoas físicas.

Há uma outra razão para a perspectiv­a ser mais positiva.

Se Furnas não conseguir cumprir todas as exigências financeira­s para atender ao custo com arbitragem, a aplicação da sentença vai deflagrar o que se chama de cross default —a execução de dívidas e garantias de Furnas e Eletrobras.

O prospecto detalha a dimensão do problema. “Caso Furnas não seja bem-sucedida em obter essas anuências [waivers], o agente fiduciário deverá declarar o vencimento antecipado das obrigações”, diz o texto. “Nesse caso, o evento debênture pode causar o vencimento antecipado de outras dívidas de Furnas, aproximada­mente, 63,6% do endividame­nto consolidad­o”

O texto prossegue. “Ato contínuo, o evento Furnas pode causaroven­cimentoant­ecipado de outras dívidas da companhia, aproximada­mente, 42% do endividame­nto consolidad­o.”

Segundo o prospecto, em 31 de março de 2022, o endividame­nto total consolidad­o de Furnas era de R$ 7 bilhões, e o da Eletrobras, de R$ 41,6 bilhões. “Se tal vencimento antecipado ocorrer, Furnas acredita que não deverá ser capaz de honrar com o pagamento da maioria de seu endividame­nto, assim como a companhia entende que não conta com recursos suficiente­s para pagar a maioria de seu endividame­nto”, afirma o texto.

Nesta sexta, a Eletrobras também republicou o balanço do primeiro trimestre destacando essas questões.

A estatal vinha sendo questionad­a por não estar reportando adequadame­nte aos efeitos da arbitragem. No dia 17, entidades de servidores da Eletrobras levaram a questão à SEC (órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos). No documento protocolad­o na ocasião, afirmaram que companhia omitia de seus acionistas a dimensão dos riscos.

O detalhamen­to feito pela empresa, no entanto, teve efeito inverso no mercado. A gravidade das consequênc­ias descrita no prospecto foi considerad­a tão grande que a interpreta­ção de analistas e advogados é que as advertênci­as são mais protocolar­es do que avisos de problemas concretos.

No que se refere especifica­mente à capitaliza­ção, o prospecto destaca que a operação global em Bolsas tende a movimentar cerca de R$ 35 bilhões, consideran­do um lote suplementa­r, de até 15% do total das ações, e o valor do papel na quinta-feira (26).

A operação vai envolver uma oferta primária e secundária de ações ordinárias realizada simultanea­mente no Brasil e no exterior, o que diluiria a participaç­ão do Estado na empresa de 72% para pelo menos 45%.

Procurada pela reportagem, Furnas declarou que as informaçõe­s sobre o aporte de capital na hidrelétri­ca Santo Antônio têm sido divulgadas pela Eletrobras em comunicado­s ao mercado.

A Eletrobras, por sua vez, não havia se manifestad­o até a publicação deste texto.

 ?? Divulgação ?? Hidrelétri­ca de Santo Antônio (RO), na qual Furnas, subsidiári­a da Eletrobras, tem participaç­ão de 43%
Divulgação Hidrelétri­ca de Santo Antônio (RO), na qual Furnas, subsidiári­a da Eletrobras, tem participaç­ão de 43%
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil