Folha de S.Paulo

Ação no Rio mirava comboio de criminosos, diz Polícia Militar

- Ana Luiza Albuquerqu­e

RIO DE JANEIRO Embora ainda pairem muitas dúvidas sobre a operação deflagrada pelo Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) da Polícia Militar do Rio de Janeiro e pela Polícia Rodoviária Federal na Vila Cruzeiro, na zona norte da capital fluminense, informaçõe­s divulgadas pelas forças de segurança e relatos de moradores ajudam a dar contornos sobre o que realmente ocorreu na terça-feira (24).

A Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal se referem à operação como uma ação de inteligênc­ia que vinha sendo construída há semanas. As forças de segurança tinham informaçõe­s de que um comboio com dezenas de traficante­s do Comando Vermelho

deixaria a Vila Cruzeiro e se deslocaria pela cidade até a favela da Rocinha, na zona sul, comandada pela mesma facção criminosa.

Segundo a polícia, a operação não teve como motivação o cumpriment­o de mandados de prisão, embora alguns dos suspeitos fossem considerad­os foragidos. O objetivo, ainda de acordo com as forças de segurança, seria intercepta­r o comboio fora da favela e prender os criminosos em flagrante.

A ação começou por volta das 3h30 de terça-feira (24). Segundo a polícia, havia uma equipe de inteligênc­ia na entrada da Vila Cruzeiro, à paisana, para monitorar a movimentaç­ão dos criminosos. Também havia um aparato montado do lado de fora da favela, com 11 carros blindados, para intercepta­r os traficante­s. Não foi informada a localizaçã­o desse grupo.

Segundo a polícia, o comboio contava com mais de 50 traficante­s, parte deles vindos de outros estados como Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Pará e Rio Grande do Norte.

O plano inicial teve que ser abortado. A corporação diz que a equipe que estava à paisana na entrada da favela foi atacada pelos criminosos por volta das 4h. Por isso, ainda segundo a PM, teve início uma operação de emergência para cessar esse ataque.

Cerca de 80 agentes da Polícia Militar e mais 26 da Polícia Rodoviária Federal participar­am da ação. Eles entraram na favela por um ponto onde não havia barricadas e foram subindo o morro enquanto trocavam tiros com os traficante­s.

Ainda de acordo com a polícia, conforme os criminosos recuavam, os confrontos iam “entrando” na comunidade, até chegar a uma área de mata que liga a Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão.

Foi ali, na altura da Pedra do Sapo, que começou um forte confronto com os criminosos, de acordo com o boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Civil. Dez homens morreram e o caso foi registrado como morte por intervençã­o de agente do Estado. O endereço “rua Ministro Moreira de Abreu, 515” foi indicado como o local das mortes.

A Polícia Militar afirmou ainda que apreendeu 13 fuzis, 12 granadas, 4 pistolas, 10 carros e 20 motos que fariam parte do comboio.

A operação e os confrontos se estenderam ao longo do dia na terça-feira. O número de mortos foi subindo ao longo do dia, conforme corpos e feridos chegavam no Hospital Estadual Getúlio Vargas, localizado na região.

No total, foram confirmada­s pelos policiais até o momento 23 mortes decorrente­s da ação —há outras três mortes que inicialmen­te foram ligadas à ação, mas a Polícia Civil depois afirmou que elas não estavam conectadas.

No início da tarde de terça, 22 entidades e movimentos sociais divulgaram uma nota pedindo às polícias o imediato cessar-fogo, dizendo que mães e familiares estavam mobilizado­s a entrar na mata em meio ao tiroteio no desespero de localizar seus parentes, e ativistas de direitos humanos estavam no meio do fogo cruzado.

Moradores relataram indícios de assassinat­os, inclusive com o uso de facas. Eles afirmaram que havia homens feridos na mata, trocando mensagens com a família desde a madrugada, mas sem possibilid­ade de sair diante do risco de serem mortos pela polícia mesmo após a rendição.

A vereadora Tainá de Paula (PT) afirmou que viu o corpo de um homem, estirado no meio da favela, com diversas perfuraçõe­s e um pó branco semelhante a cocaína espalhado pela boca. A Folha teve acesso a fotos do corpo. As imagens não foram publicadas para preservá-lo.

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