Folha de S.Paulo

Com trajetória­s opostas, Real e Liverpool decidem a Champions

Rivais seguem modelos distintos e viveram altos e baixos na última década

- Alex Sabino

Em 9 de maio de 2010, o Liverpool empatou por 0 a 0 com o já rebaixado Hull, pelo Campeonato Inglês. O clima na torcida era bélico.

Dois dias antes, as contas do clube referentes àquela temporada tinham sido publicadas. O prejuízo era de 54,9 milhões de libras (R$ 332,8 milhões, valor corrigido), incluído o pagamento de juros de 40,1 milhões de libras (R$ 243,1 milhões, atualizado). A dívida total era de 472,5 milhões de libras (R$ 2,86 bilhões, pela cotação atual).

A equipe não conquistav­a o título inglês desde 1990. No começo da Premier League 2010/11, chegou a ficar na zona de rebaixamen­to após uma derrota para o Blackpool.

Os donos eram os norteameri­canos Tom Hicks e George Gillett. Hicks era metade da Hicks-muse, empresa que assumiu o futebol do Corinthian­s no final do século passado. Uma parceria que acabou mal.

Não era difícil, na época, acreditar que o Real Madrid tinha um modelo de gestão ideal. Sem dono, pertencia aos sócios e empilhava troféus. Já era então o maior campeão da história da Champions League. Voltaria a conquistar o título espanhol em 2012.

Uma década depois disso, os dois times se enfrentam neste sábado (28), em Paris, pela decisão da Champions. Tudo está bem diferente fora de campo.

O Liverpool trocou de dono, encontrou um treinador que mudou a história da agremiação e montou uma das maiores equipes da história do futebol britânico.

Enrolado na reforma do estádio Santiago Bernabéu, o Real Madrid acumula dívida de 789 milhões de libras (R$ 4,8 bilhões corrigidos), tornou-se um dos artífices do fracassado projeto da Superliga (em que o Liverpool também estava envolvido desde o primeiro minuto) e não teve sucesso no seu maior plano de mercado dos últimos anos: a contrataçã­o do francês Kylian Mbappé. O atacante decidiu renovar com o Paris Saint-germain.

Com a bola rolando, o Real Madrid conquistou a liga nacional com folgas e chegou à final europeia com reviravolt­as históricas, como a que protagoniz­ou nas oitavas de final, diante do PSG, e nas semifinais, contra o Manchester City —jogo em que estava quase eliminado até os acréscimos do segundo tempo e conseguiu a classifica­ção.

Um caminho bem mais espinhoso que o do Liverpool, que passou por Internazio­nale, Benfica e Villarreal. Teve alguns sustos, mas sem comparaçõe­s com os dos espanhóis.

Se for campeão, o time inglês chegará ao sétimo título e vai empatar com o Milan como o segundo maior campeão continenta­l. O primeiro posto é absoluto do Real Madrid, vencedor 13 vezes.

A trajetória recente dos dois rivais mostra a volatilida­de do futebol, seja nos resultados ou fora de campo.

O Liverpool viveu momentos dramáticos há pouco mais de uma década. Em 2011, o Royal Bank of Scotland deu cinco meses para aparecer um novo comprador ou o clube iria à bancarrota. Não havia mais como refinancia­r os 237 milhões de libras (R$ 1,47 bilhão em dinheiro atual) emprestado­s pela instituiçã­o financeira.

A três dias do final do prazo e no meio de uma briga jurídica entre Hicks-gillett com diretores apontados pelo banco, a Justiça decidiu que deveria ser aceita a oferta de consórcio liderado pelo americano John W. Henry, dono do Boston Red Sox, uma das mais tradiciona­is equipes da MLB (Major League Baseball), a liga profission­al de beisebol dos Estados Unidos.

Imediatame­nte, foram pagos 200 milhões de libras (R$ 1,2 bilhão atualmente) do débito, e o Liverpool foi salvo.

Enquanto isso ocorria, o Real Madrid já armava a equipe que voltaria a conquistar a Europa. Ganhou a Champions em 2014. Voltaria a fazêlo em 2016, 2017 e 2018. Neste último ano, contra o próprio Liverpool. Embora a política dos “galácticos”, quando a agremiação contratava um superastro por temporada (Figo, Zidane, Ronaldo Fenômeno, Beckham) estivesse no passado, o clube ainda era o destino preferido de jogadores que desejavam o glamour, o dinheiro e os títulos.

“Você pode destruir outros times em um curto período, mas leva bastante tempo para construir uma fundação forte. Nós somos muito pacientes, mas agressivos”, disse Henry, depois de ter assumido o comando do Liverpool, em uma de suas raras declaraçõe­s públicas.

Ano após ano, a agremiação iniciou a caminhada de volta ao topo. Montou uma filosofia de contrataçõ­es, melhorou a estrutura de captação de talentos e começou a investir em aquisições dentro de uma visão de médio e longo prazo.

O título inglês escapou de maneira dramática em 2014, quando um dos maiores ídolos da história do time, Steven Gerrard, escorregou diante de Demba Ba em jogo decisivo contra o Chelsea. A queda de Brendan Rodgers no ano seguinte abriu a porta para a chegada do treinador que mudaria tudo. O alemão Jürgen Klopp tinha a personalid­ade, o talento e o conhecimen­to de futebol que faltavam.

O Liverpool perdeu a final europeia para o Real Madrid em 2018, mas a venceu no ano seguinte. Também foi campeão mundial contra o Flamengo. O sonhado troféu da Premier League veio em 2020.

Enquanto tudo isso se dava, o Real Madrid, além da Champions, venceu mais três ligas espanholas, quatro edições do Mundial e uma Copa do Rei para manter o ritmo de uma das equipes mais vencedoras do planeta, por mais que na parte financeira as coisas não andassem muito bem.

A final deste sábado opõe dois clubes com visões diferentes, administra­ções opostas e mudanças estruturai­s significat­ivas nos últimos anos. Sem importar o resultado no placar, a meta do Real Madrid é terminar a reforma que deve transforma­r o Bernabéu no estádio mais moderno da Europa, começar a faturar com ele e pôr as contas em ordem. Talvez, até, com renascimen­to da Superliga. A meta do Liverpool é continuar o que já tem feito.

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Javier Soriano/afp Time do Liverpool durante sessão de treinament­o no Stade de France, em Paris, onde será realizada a partida contra o Real Madrid, pelo título da Champions League

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