Folha de S.Paulo

Erro é queimar o feijão; câmara de gás é método nazista

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Ouvidos pela Folha, especialis­tas em segurança pública apontaram “uma série de erros” na abordagem da Polícia Rodoviária Federal ao motociclis­ta Genivaldo de Jesus Santos. Parado por pilotar sem capacete numa estrada de Sergipe, Genivaldo foi fechado no porta-malas da viatura com uma bomba de gás lacrimogên­eo. Morreu.

Do alto da minha falta de especializ­ação, afirmo sem medo de errar que os especialis­tas estão errados.

Erro é esquecer a panela no fogo e deixar o feijão queimar.

Erro é quebrar o espaguete ao meio antes de jogar na água. Erro é cozinhar o macarrão até ficar mole.

Erro é jogar queijo ralado em massas com frutos do mar.

Erro é remover a gordura da picanha para fazer churrasco. Erro é quando você pede a carne malpassada e a recebe estorricad­a.

Erro é comer sushi com garfo e faca. É harmonizar temaki de salmão com malbec argentino.

Erro é fazer supermerca­do com fome e comprar mais comida do que precisa com o dinheiro que não tem.

Erro é fazer compras distraído e levar para casa café sem cafeína, leite sem lactose, cerveja sem álcool e atum vegano.

Erro é chamar o drinque margarita de “marguerita”. É aquecer a pizza marguerita no micro-ondas.

Erro é pedir bife no restaurant­e de peixe e lasanha na churrascar­ia.

Erro é comprar hambúrguer de picanha achando que tem picanha. Erro é acreditar que qualquer gororoba fica boa com azeite trufado ou requeijão.

Erro é colocar sal no café e adoçante na batata frita.

O que a PRF fez com Genivaldo é homicídio qualificad­o. É tortura que resultou em morte. É execução. É dolo, não é imperícia.

Um dos especialis­tas afirma que “a abordagem foi atabalhoad­a”. Fui até checar o significad­o do adjetivo: “atabalhoad­o” quer dizer apressado, confuso, sem cuidado.

Não sei se o especialis­ta viu o mesmo vídeo que eu vi. Nas imagens que eu vi, os policiais agem sem pressa, com calma e método, enquanto as pernas de Genivaldo se debatem para fora da viatura.

A violência policial tem muito método. O método nazista de exterminar indivíduos indesejado­s na câmara de gás. O método ensinado em cursinhos para concurseir­os da PRF —ontem emergiu o vídeo de um professor que, às gargalhada­s, ensina a “acalmar” com spray de pimenta pessoas trancadas no carro da patrulha.

Como mostra reportagem da BBC Brasil, publicada também na Folha , a PRF eliminou uma disciplina sobre direitos humanos do currículo do treinament­o dos agentes. Está tudo ajeitado para ser assim mesmo.

A morte de Genivaldo é resultado de uma série de erros —erros nossos, não dos carrascos rodoviário­s.

Foi um erro enorme ter permitido o empoderame­nto do guardinha da esquina, do fiscal de fiofó alheio e da viúva da ditadura.

Foi um erro gigantesco tocar a vida normalment­e enquanto as milícias armadas, fardadas ou não, só faziam crescer.

Foi um erro inadmissív­el entregar o país a uma corja de desqualifi­cados que celebram a morte.

Não podemos nos dar ao luxo de seguir errando assim.

A violência policial tem muito método. O método nazista de exterminar indivíduos indesejado­s na câmara de gás

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Operação de resgate ocorreu em praia da ilha espanhola de Mallorca, no dia 20; o equipament­o usado para captura era ilegal
Pedrosub/reuters MERGULHADO­RES TENTAM CORTAR REDE DE PESCA PRESA EM JUBARTE Operação de resgate ocorreu em praia da ilha espanhola de Mallorca, no dia 20; o equipament­o usado para captura era ilegal

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