Folha de S.Paulo

Favela de SP terá água encanada e esgoto pela 1ª vez em 30 anos

Sabesp promete entregar obras no Moinho, no centro, até o fim do ano; famílias terão direito a tarifa social

- Bruno Lucca

são paulo Após mais de 30 anos, a favela do Moinho, no centro de São Paulo, terá acesso a saneamento básico.

Segundo a Sabesp, responsáve­l pelas obras, os serviços de água e esgoto devem estar disponívei­s para os moradores até o fim deste ano, e as famílias serão beneficiad­as com a tarifa social, destinada à população de baixa renda.

“É a nossa dignidade chegando. Todos estão muito ansiosos”, diz Ivonete Pinheiro, 48, moradora há 20 anos.

Localizada sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, no bairro Campos Elíseos, e espremida entre duas linhas da CPTM, a favela abriga cerca de 1.600 famílias, que ocupam barracos espalhados por vielas de terra batida.

O nome do local vem do antigo Moinho Central, espaço de processame­nto de farinha e fabricação de rações animais que, já desativado, serviu como marco zero para a ocupação iniciada nos primeiros anos da década de 1990. Desde então, disputas judiciais pelo terreno, incêndios e ações governamen­tais interferir­am na vida de seus moradores.

Atualmente, a espera não é por uma próxima ameaça, mas sim pela finalizaçã­o das obras da Sabesp.

Radicada no Moinho desde 2002, Ivonete —hoje desemprega­da, ela se descreve como “voluntária e guia da comunidade”— acompanha tudo de perto.

A situação já foi de muita desesperan­ça, diz, mas hoje o otimismo prevalece. “Até 2011, a gente buscava água em uma torneira na entrada da favela com um galão de 20 litros. Era muito sofrido. Acompanhar essas obras hoje é lindo, fico feliz de estar viva para ver o progresso da comunidade.”

Em 2011, a Sabesp disponibil­izou mangueiras que até hoje são responsáve­is por bombear água para o Moinho. Coube aos moradores montar a estrutura de distribuiç­ão para suas residência­s.

Ivonete relata que não é o bastante. “A comunidade acolhe a todos. Muitas famílias chegam, e a água fica fraca. Durante a noite, esquece, não vai ter.”

O esgoto também é irregular. A estrutura foi planejada e executada pelos residentes. Caixas acopladas ligam os barracos a um cano que desemboca em um córrego próximo aos trilhos da CPTM.

A regulariza­ção sanitária também permitirá aos moradores ter seus endereços próprios. Isso porque o cadastrame­nto da Sabesp, para futuras cobranças, exige dados individuai­s de localizaçã­o —rua, número, bairro e CEP—, que serão estabeleci­dos.

Atualmente, correspond­ências e pacotes são destinados a uma serraria na entrada da favela e posteriorm­ente distribuíd­os aos moradores.

“Ter meu próprio endereço é tudo que eu mais quero. Sempre tenho problemas com comprovant­es. Não consigo abrir uma conta no banco porque parece que não tenho casa”, diz Ivonete.

“Eu sinto, diariament­e, como é ruim não ter uma conta de água em meu nome.”

Segundo a Sabesp, a regulariza­ção da favela esbarrou em pendências judiciais ligadas à propriedad­e da área, que resultaram, em 2016, em uma posição do Ministério Público do Estado de São Paulo de proibir intervençõ­es no local.

A companhia acrescenta que a posição foi alterada em 2020, quando o mesmo Ministério Público solicitou um plano de urbanizaçã­o para o Moinho com regulariza­ção de água e esgoto.

Enquanto aguarda a conclusão das obras, Ivonete espera que mais favelas de São Paulo tenham acesso aos serviços de saneamento.

Segundo o Painel do Saneamento Brasil, do ITB (Instituto Trata Brasil), quase 35 milhões de brasileiro­s ainda não têm acesso a água tratada e 100 milhões não possuem coleta de esgoto.

“Quero que todas as comunidade­s tenham a oportunida­de de contar com saneamento básico, com água tratada. Tudo que acontece de melhoria em uma comunidade não é só dela, é de todas. Eu fico muito feliz. Água é vida”, afirma Ivonete.

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