País sempre busca soluções ruins para problemas complexos, diz economista
Para Marcos Mendes, organizador de coletânea que discute políticas que fracassaram, debate econômico na eleição será sobre falsos dilemas
Considerado um dos pais do teto de gastos, o economista Marcos Mendes, 57, se diz pessimista com a discussão de temas econômicos durante a eleição, em outubro. “Espero uma discussão a partir de falsos dilemas, como Estado ante iniciativa privada, aumentar gastos ou não. Mais importante seria olhar a qualidade dos gastos”, diz Mendes, que também é professor do Insper e colunista da Folha.
Ele é organizador do livro “Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil”, parceria do Insper com a Fundação Brava em que especialistas fazem um balanço de medidas implementadas nos últimos anos e que fracassaram.
O volume reúne as análises de especialistas, como Bráulio Borges e Samuel Pessôa (ambos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Bernard Appy (Centro de Cidadania Fiscal) e Simon Schwartzman (expresidente do IBGE).
Como evitar erros de políticas econômicas que levaram a períodos curtos de crescimento?
Crescimento, a longo prazo, se faz criando um sistema econômico e institucional que viabilize o aumento da produtividade. O objetivo é fazer mais e melhor com a mão de obra e os equipamentos disponíveis e facilitar o acesso às novas tecnologias. Só que as medidas necessárias para melhorar a produtividade conflitam com interesses e necessidades de curto prazo. Abrir a economia é um exemplo disso: a curto prazo, significa fechamento de empresas que só são viáveis quando o país é mais fechado.
O crescimento não pode ser estimulado por meio de políticas do governo?
Muita gente acredita que dá para crescer por meio da indução do governo, que isso vira aumento de consumo e investimento, mas essa política se mostrou fracassada no Brasil e no mundo. No fim, ela fomenta interesses de grupos específicos que pressionam por políticas favoráveis a eles, mas que geram custos para a sociedade.
Desde o começo da pandemia, os governos têm aumentado gastos para compensar as perdas. Não foi a medida correta?
É plenamente justificável aumentar o gasto do governo quando há uma recessão muito forte. O remédio tradicional é expandir gastos durante um curto período de tempo. Mas isso é diferente de dizer que o governo tem de gastar sempre, que é o que prevalece no Brasil e só serve para gerar mais inflação e dívida.
Os erros cometidos no passado, que os economistas apontam no livro, se deram mais por investimentos públicos equivocados do que por falta de dinheiro?
Não saber onde colocar o dinheiro é mais grave do que não colocar dinheiro algum. Nos últimos anos, o país deu subsídios para um monte de estaleiros que tiveram de fechar, a Sete Brasil foi feita para construir plataforma, e a plataforma feita virou sucata. Tudo isso é negativo para o crescimento de longo prazo. O setor privado é mais capaz de alocar investimentos, ele tem uma série de filtros que servem para analisar se um projeto é viável. O governo achar que deve entrar em um setor pois a iniciativa privada não entra é uma ilusão.
Com inflação e desemprego altos, a economia deve ser um dos temas mais importantes da eleição, em outubro. Há alguma chance de que a discussão não seja superficial?
Creio que nenhuma. Espero uma discussão a partir de falsos dilemas, como Estado ante iniciativa privada, aumentar gastos ou não. Mais importante seria olhar a qualidade dos gastos. Mas a campanha, assim como as anteriores, deve se voltar para interesses de eleitores específicos. O Brasil tem sempre buscado soluções ruins para problemas complexos. Já se colocou em pauta não permitir reajustes de energia, e a intervenção na Petrobras para não aumentar os preços está sempre em discussão.
Mexer na política de paridade de preços seria um erro?
Seo preço da gasolina é puxado para baixo, o etanol perde competitividade. Também torna a importação inviável. Agora, o governo deve proteger os vulneráveis e aumentar os programas de transferência de renda para os mais necessitados.
Sendo um dos pais do teto de gastos, como o sr. avalia a política fiscal hoje?
Houve uma clara deterioração do processo orçamentário, com o aumento da obrigatoriedade das emendas parlamentares e a força que o governo deu às emendas de relator. E são vários exemplos de como o dinheiro público tem sido gasto de forma inútil.
Outro exemplo, que vocês comentam no livro, foi a tentativa fracassada de criação de um fundo soberano do Brasil?
Sim, misturou diagnóstico equivocado e falta de planejamento. Quiseram criar um fundo em um país que não tem dinheiro para poupar. Chegamos a pegar empréstimos para criá-lo —é como usar o cheque especial para colocar dinheiro na poupança.
No livro, medidas como a exigência de conteúdo local na exploração de petróleo são duramente criticadas. Não faz sentido aproveitar uma commodity para desenvolver a indústria?
É uma das coisas mais difíceis de explicar ao cidadão, a primeira coisa que vão dizer é: vamos gerar empregos aqui, não na China. Isso soa bem, mas, quando se olha em detalhes, a política era de altos custos, imprevisibilidade e dificuldade logística.
O argumento contrário sugere que essas grandes empresas se tornaram casos de sucesso por contar com incentivos de seus países de origem.
Esses países protegeram e alcançaram bons resultados, mas centenas de outros fizeram o mesmo e não conseguiram. A proteção, em si, não torna um setor eficiente, o sucesso veio associado a investir em capital humano e abrir a economia para ter insumos melhores. A Embraer é das principais importadoras do país, teve liberdade para fazer projetos e contou com os ex-alunos do ITA [Instituto Tecnológico da Aeronáutica].