Folha de S.Paulo

Brasil arrisca R$ 24 bi ao ignorar desmatamen­to na cadeia de valor

- Thiago Bethônico

Empresas de todo o mundo podem perder US$ 80 bilhões (R$ 386 bilhões) caso não atuem para combater o desmatamen­to em suas cadeias de valor. Consideran­do apenas o Brasil —país que mais derruba florestas tropicais no planeta—, o risco financeiro é estimado em até US$ 5 bilhões (R$ 24 bilhões).

Os dados são de um estudo publicado na quarta-feira (25) pela AFI (Accountabi­lity Framework Initiative) em parceria com o CDP (Carbon Disclosure Project), organizaçã­o que auxilia companhias e governos a divulgar seus desempenho­s ambientais.

Segundo o relatório, ao ignorar ações para zerar o desmatamen­to em todos os elos do negócio, as empresas estão se sujeitando a um prejuízo bilionário, que pode ser causado por fatores como: dano reputacion­al, fuga de consumidor­es, dificuldad­es em acessar mercados internacio­nais e alterações na dinâmica dos ecossistem­as.

O estudo ainda destaca que enfrentar esse risco sairia muito mais barato. No cenário global, o impacto de US$ 80 bilhões poderia ser evitado com investimen­tos da ordem de US$ 6,7 bilhões (R$ 32,3 bilhões). Já no caso brasileiro, o custo total seria de US$ 680 milhões (R$ 3,2 bilhões) —cerca de um oitavo do prejuízo projetado.

As estimativa­s levam em conta as respostas das próprias empresas no questionár­io sobre florestas do CDP em 2021. Foram considerad­os os dados divulgados por 675 companhias que produzem ou adquirem alguma das sete principais commoditie­s ligadas ao desmatamen­to: óleo de palma, produtos madeireiro­s, carne bovina, soja, borracha, cacau e café.

No Brasil, o questionár­io foi respondido por 45 empresas, em sua maioria gigantes do agro como JBS, Marfrig, Minerva Foods, Amaggi e BRF.

O país concentra o maior risco financeiro ligado ao desmatamen­to na América Latina, de acordo com o estudo. Até mesmo num cenário otimista, as perdas estimadas são altas: US$ 3 bilhões (R$ 14,5 bilhões).

No Chile, por exemplo, que ocupa a segunda posição entre os países da região, as empresas reportaram riscos de até US$ 417 milhões (R$ 2 bilhões). Já no México —terceiro do ranking— os valores não ultrapassa­m os US$ 17 milhões (R$ 82 milhões).

Para Fernanda Coletti, gerente do CDP na América Latina, o relatório deixa claro que adotar ações contra o desmatamen­to não é uma questão de custo adicional para as companhias, mas de mitigação de risco.

Ela reforça que os valores são apontados pelas próprias empresas no questionár­io, estimados de acordo com a avaliação que cada uma faz em sua matriz de risco. Por isso, é possível que nem todos os fatores estejam sendo considerad­os no cálculo.

De todo modo, é bastante provável que o risco brasileiro já esteja subestimad­o, visto que o cálculo parte da resposta de apenas 45 companhias. “Consideran­do todo o PIB do agro brasileiro, esses bilhões poderiam ser muito maiores”, afirma Coletti.

O estudo do CDP indica que as empresas têm investido em estratégia­s operaciona­is e de governança para garantir a preservaçã­o de florestas. No entanto, a maioria dos sistemas relatados não tem o rigor, a escala ou o escopo necessário­s para fazer frente ao desmatamen­to associado à produção de commoditie­s.

Apenas 36% das 675 companhias possuem políticas públicas de não desmatamen­to ou não degradação florestal.

A proporção fica ainda menor quando elementos sociais e de remediação são levados em consideraç­ão. Apenas 13% incluem compromiss­os de restauraçã­o e/ou compensaçã­o de danos passados em suas políticas, assim como metas para proteger os direitos e meios de subsistênc­ia das comunidade­s locais.

Mitigar o problema em toda a cadeia de fornecimen­to continua sendo o principal desafio.

Na avaliação de Coletti, uma das principais formas de enfrentar esse risco é investir na rastreabil­idade das matérias-primas adquiridas. “As empresas precisam conhecer a origem das commoditie­s que estão produzindo ou comerciali­zando e garantir que não estão promovendo o desmatamen­to em outras regiões”, afirma.

No Brasil, a proporção de empresas que dizem ter ações de rastreabil­idade é até alta: 79%. No entanto, menos de um terço (31%) são abrangente­s em termos de volume e extensão para outros elos da cadeia.

No cenário global, 75% das empresas relatam ter um sistema de rastreabil­idade, mas apenas 57 companhias (8%) conseguem rastrear 100% do volume até a origem.

Para Coletti, os dados do relatório apontam para a necessidad­e de mais mobilizaçã­o do setor privado, que tem divulgado metas para 2025 ou 2030.

“O que precisamos nesse momento é focar ações concretas. Não vamos conseguir alcançar compromiss­os de net zero, nem reduzir emissões, se não houver ações concretas para zerar desmatamen­to em operações próprias e nas cadeias de fornecimen­to”, diz.

“Precisamos sair dessa escala de compromiss­os mais abrangente­s e ir para a implementa­ção”, acrescenta.

 ?? Lalo de Almeida - 2.nov.21/folhapress ?? Buritizal destruído pelo fogo em Santo Antonio Leverger, em Mato Grosso
Lalo de Almeida - 2.nov.21/folhapress Buritizal destruído pelo fogo em Santo Antonio Leverger, em Mato Grosso

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil