Conflito entre Bolsonaro e STF influencia julgamentos
Ministros adotam novo entendimento em casos sobre liberdade de expressão
A abertura de uma ação contra o senador Jorge Kajuru (Podemos-go) sob acusação de injúria e difamação mostra como julgamentos no STF (Supremo Tribunal Federal) têm sido influenciados pelo conflito deflagrado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o Poder Judiciário.
No início de maio, a Segunda Turma do tribunal decidiu pelo prosseguimento da investigação contra o senador, na contramão do entendimento do ex-relator do caso e até mesmo de opiniões antigas da corte sobre os limites da liberdade de expressão de outros políticos.
Kajuru afirmou que o ex-deputado Alexandre Baldy (PPGO) “integra uma quadrilha” e que o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) é “pateta bilionário”, “inútil” e “idiota incompetente”. Também disse que o senador usaria o mandato para fazer negócio.
A decisão de abrir ação contrakajuruteveoapoiodosministros Gilmar Mendes, Edson Fachinericardolewandowski.
Mas em casos anteriores, por exemplo, a corte negou tornar o então deputado Jean Wyllys (PT-RJ) réu por chamar o colega de Câmara João Rodrigues (PSD-SC) de “ladrão, bandido, desonesto, estúpido e fascista”.
O tribunal ainda rejeitou em 2020 queixa-crime contra o deputado Herculano Passos (Republicanos-sp), que xingou um prefeito em uma live.
No caso de Passos, o Supremo afirmou que o parlamentar agiu em seu perfil oficial com falas de “clara oposição e descontentamento com o atual prefeito, devendo, por isso, ser entendidas no contexto de entrave político”.
Inicialmente, parecia que o caso de Kajuru teria o mesmo desfecho. A PGR (Procuradoria-geral da República) se manifestou pelo arquivamento da queixa-crime sob o argumento de que seria o mais condizente com a jurisprudência da corte.
O então relator da ação, o ministro Celso de Mello também afirmou que o arquivamento do processo seria a única solução que respeitaria o entendimento majoritário do STF sobre liberdade de expressão e imunidade parlamentar.
Defendeu que o comportamento de Kajuru “subsumese, inteiramente, ao âmbito da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade parlamentar material”.
Segundo Celso de Mello, é necessário reconhecer que os ataques a Alexandre Baldy e ao senador Vanderlan Cardoso compunham o contexto de “antagonismo político” entre os envolvidos em Goiás.
Os advogados, porém, recorreram da decisão e o processo foi submetido à Segunda Turma. Celso de Mello reiterou sua posição pelo arquivamento do caso, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Ele liberou a ação para discussão do colegiado apenas um ano e meio depois, quando Celso já havia se aposentado.
Gilmar, então, votou para dar prosseguimento à investigação, o que pode resultar na condenação do senador. O magistrado foi acompanhado por Fachin e Lewandowski.
O ministro André Mendonça foi o único a votar pelo arquivamento do caso. Ele entendeu que os ataques devem ser protegidos pelas garantias previstas na Constituição aos detentores de mandato.
Na visão de especialistas do tema e na avaliação reservada de interlocutores no Supremo, a reviravolta no caso está ligada ao contexto político, em que a corte passou a se defender de ataques e ameaças.
O professor e doutor em Direito Constitucional Ademar Borges acredita que o desfecho do caso teve influência do cenário de briga entre os Poderes e de ações do STF para se proteger das investidas da militância bolsonarista.
“A ascensão vertiginosa de ataques discursivos ao funcionamento das instituições democráticas praticados por parlamentares federais acendeu um sinal de alerta sobre o próprio sentido da imunidade parlamentar”, afirma.
O advogado da União Guilherme Florentino, mestre em direito público com dissertação sobre imunidade parlamentar, vê um vínculo entre o desfecho do caso Kajuru e a tensão entre as instituições.
“Acho que os ministros acabam adotando postura como essa, tendo em vista que poderia abrir espaço para ataques à corte”, diz.
Para embasar seu voto, Gilmar Mendes afirmou que era necessário abrir a ação penal porque os ataques de Kajuru não estavam dentro de um contexto político.
Borges e Florentino dizem, entretanto, que não é possível concluir que o julgamento representa uma mudança na jurisprudência da corte. Eles destacam que se trata de apenas um processo e de um julgamento da Segunda Turma, não do plenário.
Criminalistas, por sua vez, apontam que o Supremo Tribunal Federal tem gradualmente firmado a posição de que a liberdade de expressão não é ampla e irrestrita e encontra limites na honra e imagem de quem é ofendido.
“A mesma premissa deve prevalecer quanto à imunidade parlamentar, que não pode servir de escudo à ofensa pura e simples. Esta certamente não encontra respaldo no exercício da função parlamentar”, diz o advogado criminalista Diego Henrique.
Mestre em processo penal pela PUC-SP, Daniel Bialski afirma que o julgamento de Daniel Silveira aponta uma tendência do Supremo de “colocar limites” a respeito de falas de parlamentares.
“É preciso diferenciar imunidade parlamentar, discurso e crítica política. O discurso do ódio é baseado na ofensa à honra das pessoas de forma indiscriminada e sem justa causa”, afirma ele.
O criminalista Alexander Barroso, articulador de grupos de advogados evangélicos, vê no momento atual, com o julgamento dos casos Silveira e Kajuru, uma flexibilização da jurisprudência da corte.