Bruno Funchal Bolsa brasileira está barata, e situação fiscal é surpresa positiva
Despesas sob controle mostram que o teto de gastos funciona, diz economista, que deixou o Tesouro após discordância com governo
SÃO PAULO À frente da gestora do Bradesco, a Bram (Bradesco Asset Management), casa com cerca de R$ 540 bilhões em ativos sob gestão, Bruno Funchal tem a avaliação de que a Bolsa brasileira está barata.
Os setores de commodities e o financeiro são apontados pelo especialista entre aqueles em que enxerga as melhores oportunidades no momento.
Funchal assumiu o cargo no fim de abril, após ter deixado em outubro de 2021 o posto de secretário do Tesouro Nacional do governo Bolsonaro, em meio às discussões que culminaram em elevação dos gastos públicos e no descumprimento do teto de gastos.
Em sua avaliação, apesar da manobra fiscal do governo, o teto de gastos segue tendo um papel importante para a manutenção de um quadro fiscal relativamente equilibrado, com redução da dívida federal em relação ao PIB.
“Não podemos ignorar o fato de que as despesas estão controladas, e isso é o teto de gastos funcionando.”
Uma condução mais austera da política fiscal nos últimos anos, na avaliação do especialista, contribui para o que chama de “um aumento na potência da política monetária”: juros proporcionalmente menores que os de décadas passadas teriam efeito relativamente mais forte sobre a inflação.
O presidente-executivo da Bram diz esperar por uma de
“Quando olhamos para a performance do mercado de ações, por mais que tenhamos nos Estados Unidos uma contração do S&P 500 por causa desse aumento de juros pelo Fed, aqui no Brasil temos visto a Bolsa relativamente barata se comparada com os pares, com oportunidades importantes em setores que têm tido bom desempenho
saceleração da inflação brasileira a partir do segundo semestre, com a taxa Selic em 13,75% trazendo para baixo o nível dos preços, mas também com impacto negativo para o ritmo da atividade.
No cenário internacional, a avaliação é que, caso a alta de juros em curso pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) não seja suficiente para desaquecer o mercado de trabalho na região, aumentos acima dos previstos hoje pelo mercado podem ser necessários, com o risco de uma nova rodada de ajustes nos preços dos ativos de maior risco em escala global.
* Como o sr. tem acompanhado a evolução do cenário macroeconômico e para os investimentos nos últimos meses?
De forma geral, o que direciona o crescimento e os investimentos é a dinâmica de inflação e dos juros. Temos observado no Brasil e nos pares da América Latina, e mesmo na Europa e nos EUA, o crescimento da inflação sempre surpreendendo para cima, e a reação natural é o aumento de juros, que é o instrumento que as autoridades monetárias têm para lidar com isso.
Estávamos em um ambiente de juros baixos e inflação baixa, quando investimentos de maior risco eram os preferidos dos investidores em busca de maior retorno, como os fundos multimercado e a renda variável. Com a alta da inflação e o aperto monetário, processo que o Brasil começou antes dos demais, temos alguma acomodação, com a migração dos investidores para a renda fixa.
Temos alguns fundos indo muito bem nesse cenário, como os de crédito privado, com performance acima do CDI, em que fazemos um processo de seleção bastante rigoroso em relação ao risco das empresas para conseguirmos extrair spread [prêmio em relação aos títulos públicos].
“Não podemos ignorar o fato de que as despesas estão controladas, e isso é o teto de gastos funcionando. Por mais que tenham tido todas as discussões no ano passado [que culminaram no descumprimento do teto], ainda assim, há um limite para as despesas. No passado, quando tínhamos um aumento da receita, a despesa subia junto, mas agora não
A alta dos juros, no Brasil e no exterior, tende a manter as Bolsas sob pressão ainda por mais algum tempo?
Quando olhamos para a performance do mercado de ações, por mais que tenhamos nos EUA uma contração do S&P 500 por causa desse aumento de juros pelo Fed, aqui no Brasil temos visto a Bolsa relativamente barata se comparada com os pares, com oportunidades importantes em setores que têm tido bom desempenho.
Os preços das commodities estão perto das máximas históricas, e setores mais defensivos, como de energia e o financeiro, estão indo bem. Se compararmos entre as classes, a renda fixa acaba sendo mais atrativa, mas, ainda assim, não elimina as oportunidades de bons investimentos em renda variável, principalmente de caráter mais defensivo, já que ainda temos muitas incertezas, sobre o ciclo monetário e eleitoral.
Qual avaliação o sr. faz sobre os níveis dos prêmios na renda fixa? Onde estão as melhores oportunidades?
A curva de juros está bastante elevada, e tem prêmio dentro da classe para o investidor capturar. No entanto, ainda não estamos na fase de término do ciclo de aperto monetário, e, por causa disso, temos a avaliação de que há oportunidades, mas que também ainda vai ter muita volatilidade.
Ainda vemos com um pouco de cautela o investimento nos títulos prefixados, e temos carregado uma posição mais leve nas carteiras. O que temos olhado com bastante interesse são os títulos de inflação, para conseguir se defender desse período de inflação mais alta. No crédito privado, temos também os papéis incentivados, que conseguem se beneficiar dos juros altos, com um spread adicional em relação aos títulos públicos, e que ainda contam com a isenção fiscal.
Até onde a taxa Selic deve subir para conseguir controlar a inflação?
Projetamos que o ciclo acabe com a Selic em 13,75%. O aumento de juros é um remédio amargo que tem efeito para a atividade econômica, mas que vai se refletir em queda da inflação. Leva algum tempo para ter esse efeito, e talvez seja preciso esperar um pouco para ver o ciclo de alta dos juros se refletir na economia, para então começarmos a ver um ciclo expansionista da política monetária.
Uma discussão importante diz respeito à potência da política monetária, que, na minha visão, mudou muito. Acho que hoje a potência da política monetária é muito mais forte, porque tem uma presença menor do Estado, com uma política fiscal muito menos expansionista. Temos menos crédito direcionado via bancos públicos, que era algo que diminuía a potência da política monetária.
De toda forma, boa parte da inflação brasileira é importada, o mundo inteiro fez uma política fiscal expansionista por causa da pandemia, e tivemos ainda a questão do preço do petróleo em razão da Guerra da Ucrânia. Essas são variáveis que não temos como controlar.
Devemos esperar uma desaceleração mais importante da inflação, e da atividade econômica, já a partir do 2º semestre?
Acredito que sim, nossas projeções vão nesse sentido. Por mais que o crescimento esteja surpreendendo positivamente, a inflação também tem surpreendido para cima. Mas a política monetária está começando a fazer efeito, e projetamos que a inflação deva fechar o ano em 9,2%, o que implica uma queda no segundo semestre. E, dado o nível de crescimento esperado para o primeiro semestre, também devemos ter uma queda na aceleração da atividade econômica. Imagino que o efeito comece a ser sentido no segundo semestre, e continua ao longo de 2023.
Com a alta da Selic, o dólar tende a depreciar ainda mais ou já está próximo do ponto de equilíbrio?
Prevemos o câmbio para o fim do ano em torno de R$ 5, considerando o resultado da balança comercial e o fluxo de investidores estrangeiros e de capital de modo geral. Claro que há os movimentos de curto prazo, mas não esperamos uma grande mudança em relação à taxa de câmbio sobre o que estamos vendo hoje. Agora o mundo inteiro está aumentando os juros, então a tendência é que isso acabe se estabilizando, com o diferencial de juros do país diminuindo.
Qual a visão do sr. sobre o quadro fiscal do país?
O fiscal tem surpreendido. Tivemos algumas boas notícias desde o fim do ano passado. A Receita vem performando bem, com ganhos reais sucessivos e com efeito para o crescimento do ano passado. A alta das commodities e da inflação contribuiu para impulsionar a receita.
Também não podemos ignorar o fato de que as despesas estão controladas, e isso é o teto de gastos funcionando. Por mais que tenham tido todas as discussões no ano passado [que culminaram no descumprimento do teto], ainda assim, há um limite para as despesas. No passado, quando tínhamos um aumento da receita, a despesa subia junto, mas agora não, tem um aumento da despesa definido pelo teto, e o resultado disso é que vimos uma melhora do superávit primário para cerca de 1,5% do PIB.
No meio da pandemia, quando estava no Tesouro, fizemos uma revisão que indicava que só voltaríamos ater superávit em 2027, e isso foi antecipado para 2022. A receita aumentou, o teto controlou a despesa, o que se refletiu em uma melhora das contas públicas.
Os dados mais recentes divulgados pelo BC indicaram uma dívida bruta de 78% do PIB, em patamar muito similar ao período pré-pandemia. O Brasil foi um dos países que mais conseguiram reduzira dívida em relação ao PIB durante a pandemia. Até pouco tempo atrás se falava em uma dívida acima de 100% do PIB, e hoje está abaixo de 80%. O debatem ais importante agoraéde2023p ara afrente, com ovai ficara partir do próximo ano.
O mercado ainda parece alimentar a esperança pela terceira via, qual a visão da Bram?
A terceira via é super-relevante para fomentar o debate de qual agenda queremos. Nesse período eleitoral, quanto mais pessoas relevantes estiverem contribuindo para uma agenda de futuro para o nosso país, maior é o ganho. Entendo que uma terceira via pode qualificar esse debate. Mais que escolher A ou B, precisamos entender quais são as propostas, e o que queremos para o nosso país.
Entre os dois principais concorrentes, qual deve ter um impacto mais positivo para a economia e o mercado?
É difícil falar neste momento, porque ainda falta entrar de fato no debate, que até agora não começou. Precisamos primeiro conhecer a agenda de cada um, depois disso fica mais fácil falar.
O que o Brasil precisa é de uma agenda de produtividade, de crescimento. O país está travado com um crescimento baixo já tem muito tempo. Desde a década de 1980 que o crescimento per capita é de cerca de 0,5% ao ano, é muito baixo. Como a gente pode quebrar isso? Com aumento da produtividade. Por isso, é preciso uma clareza maior sobre quais medidas serão adotadas para aumentar a produtividade, e como elas serão implementadas.
Qual impacto a alta dos juros pelo Fed ainda pode trazer para a economia global?
A economia americana está muito aquecida, com um mercado de trabalho bastante forte. Se não vermos nenhum movimento de desaquecimento do mercado de trabalho na região, provavelmente o Fed vai ter que acelerar o passo do aperto monetário e teremos uma nova rodada de revisões nos preços dos ativos. Invariavelmente uma desaceleração econômica vai vir, porque é a forma de controlar a inflação. O ponto de atenção é sobre qual será o tamanho dessa desaceleração, e o prazo em que isso vai acontecer.
A curto prazo, a taxa de juros americana pode ir para 3%, talvez até ficar um pouco acima disso, justamente para conseguir desacelerar a inflação americana, que está bastante pressionada. Não vai ser um trabalho simples colocar a inflação nos Estados Unidos em níveis próximos de 2% ao ano. Não sei se teremos em razão disso uma recessão global, mas uma desaceleração é bem provável no ano que vem.