PF prende Milton Ribeiro e agrava desgaste de Bolsonaro
Ex-titular do MEC e dois pastores ligados a presidente são detidos por suspeita de corrupção na pasta
A PF prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e os pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura —ambos ligados a Jair Bolsonaro (PL)—, suspeitos de operar um balcão de negócios na pasta e na gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
A operação traz novo desgaste ao presidente a cerca de três meses das eleições, por fragilizar o discurso anticorrupção na campanha.
Em março, Bolsonaro havia dito que colocaria a “cara no fogo” por Ribeiro, mas dias depois o então titular do MEC acabou exonerado.
Ontem, Bolsonaro procurou se descolar do antigo aliado. Disse que “ele que responda pelos atos dele”. O juiz que decretou a prisão preventiva de Ribeiro cita os possíveis crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
O ex-ministro seria levado à Superintendência da PF no Distrito Federal, mas a Justiça permitiu que ele ficasse em São Paulo, onde participará de audiência de custódia. Sua defesa afirma que a ação foi ilegal e que vai buscar sua soltura. Gilmar e Arilton negam irregularidades.
Em áudio revelado em março pela Folha, Ribeiro disse que, a pedido de Bolsonaro, priorizava amigos de um dos pastores para liberar verba.
“OMEC ressalta que o governo federal não compactua com qualquer ato irregular e continuará a colaborar com as investigações
Ministério da Educação em nota
BRASÍlIA A Polícia Federal realizou nesta quarta-feira (22) uma operação contra o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e pastores evangélicos suspeitos de operar um balcão de negócios na pasta e na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ambos ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL), foram presos. Também foram detidos Luciano de Freitas Musse, advogado e ex-assessor do MEC, e Helder Bartolomeu, ex-assessor da Prefeitura de Goiânia.
Agentes federais estiveram na sede do MEC, em Brasília, em operação que trouxe novo desgaste a Bolsonaro a cerca de três meses das eleições.
Além da crise na economia, incluindo a alta do preço dos combustíveis, e da instabilidade política, com seguidos ataques ao Judiciário, a campanha do presidente viu fragilizar ainda mais a tentativa de um discurso anticorrupção.
Em março, Bolsonaro havia dito que colocaria a “cara no fogo” por Ribeiro em meio às suspeitas no Ministério da Educação. Nesta quarta, buscou se descolar do antigo aliado, dizendo que “ele que responda pelos atos dele”.
Os dois pastores presos pela PF são apontados como lobistas que atuavam no MEC.
A ação desta quarta foi batizada de Acesso Pago e investiga a prática de “tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos”.
Com base em documentos, depoimentos e um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) foram mapeados indícios de crimes na liberação de verbas do FNDE. Ao todo, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal.
No mandado de prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, listou os crimes investigados e que podem ter sido cometidos pelo ex-ministro. São eles: corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência. A defesa de Ribeiro afirmou que a prisão é ilegal e que vai buscar a soltura dele.
O magistrado decretou a prisão preventiva de Ribeiro, que não tem prazo. Também foi determinada a transferência do ex-ministro de Bolsonaro para a superintendência da PF no Distrito Federal.
No entanto, após a PF alegar risco de segurança e restrições orçamentárias, a Justiça Federal permitiu que Ribeiro fique em São Paulo e participe da audiência de custódia nesta quinta-feira (23) por meio de videoconferência.
Outro dos detidos nesta quarta, o advogado Luciano de Freitas Musse, trabalhou no MEC durante 11 meses e é ligado aos pastores.
Ele foi nomeado por Ribeiro para o cargo de gerente de projetos no MEC em abril de 2021 e só foi demitido em março deste ano, após a saída do titular da pasta.
Antes disso, ele integrava o grupo dos pastores e esteve em ao menos três encontros oficiais com o ex-ministro.
Já Helder Bartolomeu trabalhou como assessor da Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura de Goiânia
Os dois pastores, Gilmar e Arilton, são peças centrais no escândalo do balcão de negócios do ministério. Como mostrou a Folha, eles negociavam com prefeitos a liberação de recursos federais mesmo sem ter cargo no governo.
Os recursos são do FNDE, órgão ligado ao MEC controlado por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por pedidos de impeachment. O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.
Prefeitos relataram pedidos de propina, até em ouro.
Em áudio revelado pela Folha, o ex-ministro disse que priorizava pedidos dos amigos de um dos pastores a pedido de Bolsonaro.
Na gravação, o então ministro dizia ainda que isso atendia a uma solicitação do presidente e mencionava pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Ribeiro deixou o cargo no fim de março, uma semana após a publicação do áudio.
Musse frequentava um hotel e um restaurante em Brasília usado pelos religiosos para negociar com prefeitos, inclusive quando já estava no MEC.
Já Helder Bartolomeu fazia parte da comitiva dos pastores. Ele esteve em um evento em Nova Odessa (SP) com o ministro e pastores, em agosto do ano passado.
Após esse evento uma denúncia da atuação dos pastores foi levada a Milton Ribeiro. Antes de realizar essa agenda, o prefeito de Piracicaba teria recebido pedido de dinheiro para que o município abrigasse o evento do MEC, transferido para Nova Odessa após recusa de pagamento.
Em nota, o ministério confirmou que a PF esteve na sede da pasta e disse colaborar com as investigações em todas as instâncias.
“O MEC ressalta que o governo federal não compactua com qualquer ato irregular e continuará a colaborar com as investigações”, diz a nota.
Gilmar Santos e Arilton Moura negociavam, ao menos desde janeiro de 2021, a liberação de empenhos para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos. Os recursos são geridos pelo FNDE.
Os pastores gozavam de trânsito livre no governo, organizavam viagens do então ministro com lideranças do FNDE e intermediavam encontros de prefeitos na própria residência de Ribeiro.
Ambos tinham em um hotel de Brasília uma espécie de QG para negociação de recursos. Ali, recebiam prefeitos, assessores municipais e também integrantes do governo.
Gilmar Santos preside uma entidade chamada Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, da qual Arilton aparecia como secretário. Os religiosos tinham relação com o presidente Bolsonaro desde antes de intensificar a agenda no MEC.
Em 18 de outubro de 2019, primeiro ano do governo, participaram de evento no Palácio do Planalto com o presidente e ministros. Ambos somaram 45 entradas no Palácio do Planalto. Estiveram outras 127 vezes no MEC e no FNDE.
Ambos negam irregularidades, bem como o ex-ministro e integrantes do FNDE.
Com o centrão no comando, o FNDE virou uma espécie de balcão político, com atuação dos pastores, explosão de empenhos para atender políticos aliados ao governo Bolsonaro, ausência de critérios técnicos e até burla no sistema.
Enquanto o governo atendeu aliados, o MEC travou a liberação de R$ 434 milhões do FNDE a prefeituras de todo o país. Os valores se referem a obras em 1.369 prefeituras, que, embora aptas a receber dinheiro federal, não tiveram as transferências efetivadas pelo governo.
O FNDE é controlado por indicações de partidos do centrão. O presidente, Marcelo Lopes da Ponte, era assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil de Bolsonaro e um dos líderes do bloco de apoio à atual gestão federal.
As diretorias do fundo também são loteadas. O diretor de Ações Educacionais do FNDE, Garigham Amarante Pinto, por exemplo, é indicação do PL, partido de Bolsonaro, e políticos do centrão sustentam Gabriel Vilar na diretoria de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais do fundo.
Também com dinheiro do FNDE, o governo destinou R$ 26 milhões para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.
As denúncias de um balcão de negócios no Ministério da Educação entraram na mira de parlamentares, que tentaram instalar uma CPI no Senado. O governo, no entanto, conseguiu melar a criação da comissão. Nesta quarta, após as prisões pela PF, houve nova mobilização de congressistas.