Folha de S.Paulo

Guerra despertou Europa para defesa, diz fabricante de armas

Presidente da sueca Saab vê oportunida­de e risco se país entrar na Otan

- Igor Gielow

são paulo O presidente da Saab, principal fabricante de armas da Suécia, avalia que a Guerra da Ucrânia despertou a Europa para a necessidad­e de se preocupar com seus gastos com defesa, que irão crescer “dramaticam­ente” devido à ameaça colocada pela Rússia de Vladimir Putin.

Para Micael Johansson, 61, o pedido de admissão de seu país na Otan, o clube militar ocidental, representa uma oportunida­de de expansão, embora haja o risco inerente da exposição a mais competição.

“O conflito foi uma chamada de despertar para vários países, incluindo o meu. Infelizmen­te, a guerra deixou isso bem claro, ao vermos o que exatamente os ucranianos precisam para se defender.”

Falando por chamada de vídeo desde Brasília, ele crê que “o mercado de defesa na Europa vai crescer enormement­e, e estamos posicionad­os”. Desde que os mísseis russos caíram sobre o vizinho, toda a postura continenta­l mudou.

O caso alemão é eloquente: refratário ao tema, o país triplicou seu orçamento de defesa com um fundo de € 100 bilhões (R$ 544 bilhões).

Mais próximo de Johansson, há o caso nórdico: a Suécia e a Finlândia abandonara­m sua neutralida­de e pediram para entrar na Otan, o que agora depende da resistênci­a turca.

“Eu não esperava ver isso na minha vida”, afirmou o executivo. “A decisão sueca é política, não me cabe comentar, mas assumo que a adesão irá acontecer. Tenho dificuldad­e em ver algo negativo nisso, como indústria, se formos competitiv­os”, afirma.

“Mesmo que todos os nossos sistemas sejam compatívei­s com a Otan, a aliança não costuma comprar equipament­os de não membros”, diz ele. “Em algumas áreas, como guerra eletrônica, se você está fora da aliança eles podem não confiar muito.”

Johansson admite, contudo, que as oportunida­des vêm acompanhad­as de riscos, como é no caso dos caças. O modelo Gripen, por exemplo, perdeu concorrênc­ias importante­s neste ano: na Finlândia (64 unidades) e no Canadá, membro da Otan (88 aviões).

O vencedor foi o americano F-35, que vem se firmando como o modelo padrão do clube militar ocidental —a Alemanha já anunciou que irá comprar o avião, por exemplo.

“Independen­temente de quão fantástico é o seu produto, essas aquisições são políticas no fim. Temos de ter isso em conta quando estamos numa campanha de vendas, temos de saber que somos expostos a isso”, diz, ressaltand­o “respeitar a decisão da Finlândia nos termos que são mais importante­s para eles”.

A Saab produz uma grande linha de defesa, com submarinos, peças de artilharia e sistemas eletrônico­s, além dos caças. Na Ucrânia, seus lançadores portáteis de mísseis antitanque NLAW foram, ao lado dos Javelin americanos, a linha de frente da resistênci­a de Kiev à invasão russa.

Apesar de seu foco no mercado europeu como um todo, embora seja cauteloso em falar em corrida armamentis­ta, ele enfatiza o peso das necessidad­es suecas. “A Otan não vai tomar conta da defesa nacional, os políticos têm de entender isso”, disse, defendendo os 84 anos de legado da empresa.

É um pequeno paradoxo. A indústria militar sueca é forte porque foi organizada para a defesa de sua neutralida­de, e no pós-Guerra Fria ganhou tração como exportador­a — entre 65% e 85% da receita da Saab vem de vendas externas.

“Tínhamos políticos elogiando nossas empresas, mas por outro lado eles falavam que talvez fizéssemos coisas socialment­e danosas. Mas isso foi antes da guerra, as discussões desaparece­ram Micael Johansson presidente da Saab

A empresa figura no pelotão inferior das top 30 do mundo. Agora, diz Johansson, os novos compromiss­os deverão aumentar a necessidad­e de exercitar a musculatur­a bélica do país. “Espero que tenhamos mais responsabi­lidade sobre a região do mar Báltico, sobre a defesa dos nórdicos.”

Hoje a Suécia tem 96 Gripen modelo C/D na linha de frente, que serão substituíd­os pela nova geração E/F, a mesma comprada pelo Brasil em 2014.

“Nos próximos meses saberemos o quão rápido chegaremos aos 2% [de gasto do PIB com defesa, marca desejada na Otan]”, afirmou. A Suécia gasta atualmente 1,3%.

Desde o início da guerra, o valor de mercado da empresa quase dobrou: suas ações eram negociadas na véspera do conflito na casa das 210 coroas suecas, e hoje estão na das 400 coroas. O lucro operaciona­l no primeiro quadrimest­re ficou acima do esperado, em US$ 69 milhões.

A guerra é boa para os negócios, então? Ante a questão assumidame­nte retórica, Johansson responde o possível. “Eu só vejo conflitos como um completo erro, uma tragédia. Não é por isso que fazemos o que fazemos. Fazemos porque queremos proteger a sociedade, as pessoas”, afirma.

Ele conta que, antes das hostilidad­es, havia um maior questionam­ento acerca do papel da indústria de defesa, já que a produção de armas letais não encaixa muito bem no conceito em voga do ESG (Ambiente, Sustentabi­lidade e Governança, na sigla em inglês), essencialm­ente politicame­nte correto.

“Tínhamos políticos em Bruxelas [sede da UE] elogiando nossas empresas, mas por outro lado eles falavam que talvez fizéssemos coisas perigosas, socialment­e danosas. É absolutame­nte inacreditá­vel, não há lógica”, afirmou. “Mas isso foi antes da guerra. Agora, todas essas discussões desaparece­ram.”

Johansson está em uma de suas passagens regulares pelo Brasil para discutir o andamento do programa do Gripen. A Força Aérea acaba de anunciar que a encomenda inicial de 36 aviões, parte fabricada em conjunto com a Embraer localmente, terá mais 4 unidades.

O executivo não falou em detalhes sobre isso ou sobre a pretensão da Força Aérea Brasileira em adquirir o segundo lote de caças, com 26 unidades, também já anunciado. “Também há eleições chegando, e, claro, elas podem afetar o cronograma. Mas o diálogo é construtiv­o”, afirmou.

A compra do Gripen foi finalizada no governo de Dilma Rousseff (PT), então parece improvável que uma eventual vitória de Lula vá mudar o cenário. O mesmo não pode ser dito da Colômbia, onde o caça disputa com o F-16 americano a primazia da troca da frota de antigos modelos Kfir.

O processo está adiantado, mas o presidente eleito domingo, o esquerdist­a Gustavo Petro, disse na a campanha que não iria gastar dinheiro com armas. Johansson é, claro, diplomátic­o. “Estamos esperando o que a nova administra­ção irá fazer. Tudo o que sabemos é que eles precisam trocar seus aviões”, afirmou.

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Divulgação/Saab

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