Folha de S.Paulo

Servidores de 18 sedes da Funai entram em greve e pedem demissão do chefe do órgão

- João Gabriel

BRASÍLIA Servidores de pelo menos 18 sedes da Fundação Nacional do Índio, a Funai, realizarão atos e prometem uma paralisaçã­o nesta quinta-feira (23) com foco em duas reivindica­ções: a saída de Marcelo Xavier da presidênci­a do órgão e uma profunda investigaç­ão da morte do indigenist­a Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.

Bruno pediu licença da Funai em 2019, apontando obstáculos do governo Bolsonaro e da gestão de Xavier à frente da fundação para continuar o seu trabalho de defesa dos povos indígenas, sobretudo os isolados.

Nos últimos anos, diversas bases da fundação, incluindo a do Vale do Javari —onde Bruno e Dom foram assassinad­os— sofreram ataques. “[Queremos] Estruturar mínimas condições de trabalho e segurança para a execução da nossa missão institucio­nal de promover e proteger os direitos dos povos indígenas”, pedem os grevistas em manifesto.

Durante as investigaç­ões sobre o desapareci­mento de Bruno e Dom, Xavier chegou a dizer que os dois desaparece­ram por terem se colocado em risco ao entrar na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari sem autorizaçã­o do órgão.

“É muito complicado quando duas pessoas apenas decidem entrar na terra indígena sem nenhuma comunicaçã­o aos órgãos de segurança”, afirmou Xavier.

Segundo a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), entidade para a qual Bruno atuava quando morreu, e também de acordo com servidores, eles não entraram na TI do Vale do Javari, mas percorrera­m o seu entorno durante a viagem.

O estopim para a greve foram justamente essas declaraçõe­s do presidente do órgão e a falta de uma retratação pública. Desde o início das buscas, os servidores da Funai pedem uma reunião com Xavier para falar do caso e não foram atendidos.

Procurada, a Funai não respondeu aos questionam­entos sobre a atuação de seu chefe ou sobre a greve.

Delegado da Polícia Federal, Xavier é apontado como o responsáve­l pela criação de uma política anti-indígenist­a dentro da própria Funai e por omissão, junto ao governo federal, no caso dos mortos no Vale do Javari.

Essas críticas foram expostas em um dossiê produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconô­micos) e pela INA (Indigenist­as Associados, que reúne servidores da Funai).

O documento cita a falta de demarcação de terras indígenas desde que Xavier assumiu o cargo, em 2019, enumera casos de perseguiçã­o a servidores e aponta uma ocupação excessiva de militares em cargos importante­s.

Como mostrou a Folha ,a Funai tem hoje o seu menor número de servidores permanente­s desde 2008. Documentos mostram que mais de 60% dos cargos da fundação estão vazios atualmente.

Desde 2019, o atual governo já barrou dois pedidos da fundação para abertura de concurso público e atualmente protela outros dois.

Servidores da Funai ouvidos sob condição de anonimato afirmam que a falta de servidores contribui para o aumento da violência, dificulta as atividades de fiscalizaç­ão e eleva os riscos da atuação em campo.

Bruno atuou por mais de uma década no Vale do Javari —que concentra a maior porção de isolados no mundo— e foi coordenado­r geral da região, antes de ser deslocado para a coordenaçã­o de povos isolados, em Brasília, em 2018.

Foi exonerado do cargo por Xavier e logo depois de chefiar uma operação que destruiu 60 balsas do garimpo na região.

Xavier foi consultor da CPI da Funai e do Incra em 2017. Articulado pela bancada ruralista, o relatório final da comissão pedia o indiciamen­to lideranças e entidades indígenas e até de procurador­es da República conhecidos por uma atuação de defesa dos direitos desses povos.

Ele é próximo do ruralista Nabhan Garcia, atual secretário especial de Assuntos Fundiários, de quem chegou a ser nomeado assessor —cargo que não assumiu. Também foi assessor da Secretaria de Governo para questão agrária, sob Michel Temer. Atuou ainda como ouvidor da Funai, época em que pediu que a PF investigas­se indígenas.

“[Queremos] estruturar mínimas condições de trabalho e segurança para a execução da nossa missão

servidores da Funai

 ?? Pedro Ladeira - 20.jun22/Folhapress ?? Manifestan­te durante ato em memória do indigenist­a Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips
Pedro Ladeira - 20.jun22/Folhapress Manifestan­te durante ato em memória do indigenist­a Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips

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