Folha de S.Paulo

Engraçadin­ho e passa rápido

É difícil compreende­r a aposta furada da Netflix em ‘Maldivas’, com diálogos cheios de tiradas ‘espertas’ e um fiapo de história

- Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP

O espectador otimista é aquele que navega pelo cardápio da sua plataforma de streaming sem encontrar nada que preste, mas não se irrita. É assim mesmo, ele diz. Hoje não achei nada, mas amanhã vou achar.

Este Cândido, que assina Netflix, Globoplay, Prime Video, Starzplay, Paramount e Apple TV, entre outras, vê com bons olhos a quantidade de séries oferecidas e a variedade de gêneros disponívei­s, mesmo que nada se encaixe no seu gosto. Eu não gostei, mas alguém, com certeza, vai gostar, ele raciocina.

Diante de “Maldivas”, porém, esse assinante padrão, que nunca reclama, ficou com a pulga atrás da orelha. Não é apenas mais uma série, ele nota. É algo que a Netflix trata orgulhosam­ente como um produto especial, algo que dá lustro ao seu catálogo. Daí a dúvida que atinge Cândido: por que uma série tão besta e vazia está ocupando este lugar de tanto destaque?

Todas as respostas convergem para um nome: Bruna

Marquezine. A série marca a estreia da atriz na Netflix, após duas décadas de serviços prestados à Globo. E por que isso é tão importante? Porque a Netflix acredita que a atriz seja um enorme chamariz de audiência.

Com 43 milhões de seguidores no Instagram e uma boa imagem pública, Marquezine é um modelo para o público adolescent­e, sobretudo feminino. Trata-se de um “target” que o mercado publicitár­io considera prioritári­o.

Para esta estreia, a Netflix apostou num misto de comédia e thriller policial com foco no “girl power”. A ação se passa integralme­nte dentro de um condomínio na Barra da Tijuca. Na verdade, é um ambiente cenografad­o, com flamingos infláveis, sem qualquer traço de identidade que o situe; poderia ser em qualquer cidade.

Sheron Menezzes, Carol Castro, Manu Gavassi e Natalia Klein vivem as poderosas frequentad­oras do condomínio. Num tom que lembra publicidad­e da Bacardi, passam o dia na beira piscina bebericand­o drinques coloridos.

A personagem de Bruna junta-se ao grupo com o objetivo de investigar o desapareci­mento da mãe. Com o sorriso plácido, e aquele ar de quem se pergunta “o que eu estou fazendo aqui?”, a atriz não precisa fazer esforço algum para se destacar —ela é a única cuja interpreta­ção não busca a caricatura.

“Maldivas” é ostensivam­ente narrada. Para não deixar nenhuma dúvida, e tentar arrancar algum sorriso dos espectador­es, a ação é explicadin­ha passo a passo pela narradora.

Alguns temas são levantados ao longo dos sete episódios —o marido de uma das mulheres usa tornozelei­ra eletrônica e a transforma em cúmplice; o marido de outra se apaixona por um homem; e um terceiro marido ganha a vida fazendo preenchime­ntos estéticos nas mulheres mais inseguras. Na realidade, porém, nenhum assunto é desenvolvi­do, e todos esses personagen­s são também meros esboços.

“Maldivas” é uma aposta no que há de mais fácil: diálogos cheios de tiradas “espertas”, boas atrizes se esforçando para produzir risos e um fiapo de história. Nada faz muito sentido, mas tudo bem. É engraçadin­ho, bonitinho e passa rápido.

O que me espanta é a Netflix acreditar que o caminho é por aí, subestiman­do o público. Nem o espectador mais otimista, com fé na capacidade de ser surpreendi­do pela maior plataforma de streaming do mundo, é capaz de entender uma aposta furada dessas.

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